A Hora e a Vez do Batráquio Acordar

limites precisos de mudanças de estado são uma
parte importante da consciência humana
Jack Green, peiote

 


Lembro de minha mãe morrendo.

Eu tinha medo de entrar no quarto. Ela já estava muito magra, e sempre que tossia não parava mais. Era aí que a enfermeira me pegava pela mão e me colocava na frente da tevê. Nunca mais consegui assistir a desenhos animados sem sentir frio. Às vezes chego até a ouvir uma trovoada vindo de algum outro cômodo. Um dia minha mãe perguntou se eu estava com fome. Depois sorriu, amarela. Começou a tossir, mas ainda pediu para a enfermeira me dar uns biscoitos. Eu abanei a mão para ela, mas acho que não viu. Não viu, não. Fiquei comendo na frente da televisão. Quando terminaram, fui pedir mais. A enfermeira não me deixou entrar no quarto, mas eu já tinha visto. Mamãe não parecia estar dormindo. Não lembro de ter ficado triste.

Mães mortas têm um cheiro doce.

Meu pai nunca acreditou em mim. Dizia que eu era novo demais para lembrar, e começava lentamente a encher o cachimbo com o fumo cor de chocolate. Passava os dias sentado em uma poltrona de veludo cereja gasto, coberta por uma toalhinha rendada. Bebia uísque e escutava música, quase sempre sozinho. De vez em quando pedia para que Pronto para os anuros do inferno? eu contasse a história mais uma vez. Eu não gostava muito de vê-lo chorando, mas aprendi rápido que seria pior se não dissesse nada. Ele não gostou da minha primeira namorada. Ela dizia que ele tinha ciúme de mim. Parecia verdade. A cara da mãe, repetia. A cara da mãe.

Não assisti à morte do meu pai.

Mas isto que estou sentindo não é morte; se fosse, eu reconheceria o cheiro. É apenas frio e sono. Com certeza é culpa da noz-moscada. Onde está meu anão quando preciso dele? Conseguir dormir eu até consigo, mas sonho nenhum aparece para salvar meu sono. Eu deveria estar na escola, trabalhando. Meus alunos devem estar sentindo minha falta, ou não. Não. Gosto de pensar que não. Nu e sozinho dentro de um quarto vazio sabe-se lá onde, sinto falta das minhas pantufas. Onde será que o velho as colocou? Deve ser por isso que ele fica me chamando de sapo, sem parar. Talvez seja um louco. Talvez eu esteja louco.

Apenas pessoas sãs pensam que estão loucas.

Lembro de pouca coisa. O sonho repetido, o outro anão, a noz-moscada com iogurte. Depois disso, só o velho que me trouxe até aqui. Chão molhado, eu dormia em algum canto da rua. Deus do céu, era na rua. Já era dia. Senti que alguém me chacoalhava, abri o olho direito e vi o velho sorridente. Ele me tirou do chão e me pegou nos braços, quase no colo. Não quis resistir. De alguma forma estúpida, senti que não precisava. Agora tenho minhas dúvidas, mas parece ser tarde demais e, como disse, tenho sono. Estico minhas pernas.

Queria tanto um cobertor.



1