PACTO GNÓSTICO NOX
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Liber Cordis Cincti Serpente
vel LXV




I

1. Sou o Coração; e a Serpente está enroscada
Ao redor do invisível âmago da mente.
Erga-te, Ó minha serpente! Já é a hora
Da encapuzada e santa flor inefável.
Erga-te, Ó minha serpente, no brilho do florescer
Sobre o cadáver de Osíris boiando na tumba!
Ó coração de minha mãe, minha irmã, o meu próprio,
Foste dado a Nilo, ao terror Tífon!
Ai de mim! mas a glória da voraz tempestade
Te enfaixa e te envolve no frenesi da forma.
Quieta, Ó minh'alma! que o encanto se dissolva
Com o erguer dos bastões e o revolver dos éons.
Contempla! quão alegre estás em minha beleza,
Ó Serpente que acaricia a coroa de meu coração!
Contempla! somos um só, e o tormento dos anos
Se funde no crepúsculo, e surge o Besouro.
Ó Besouro! o zumbido de Tua dolorosa nota
É sempre o arrebatamento desta garganta trêmula!
Aguardo o despertar! Os chamados no alto
Do Senhor Adonai, do Senhor Adonai!

2. Adonai se dirige a V.V.V.V.V., dizendo: Sempre haverá divisão na palavra.

3. Pois as cores são muitas, mas a luz é única.

4. Portanto escreves aquilo que é da mãe de esmeralda, e de lápis-lazuli, e de turquesa, e de alexandrita.

5. Outro escreve as palavras de topázio, e de profunda ametista, e de cinzenta safira, e de profunda safira cor de sangue.

6. Portanto te incomodas por causa disto.

7. Não te contentes com a imagem.

8. Te digo isto, eu que sou a Imagem de uma Imagem.

9. Não discutas a imagem, dizendo Mais Além! Mais Além! Sobe-se até a Coroa pela lua e pelo Sol, e pela flecha, e pela Fundação, e pela escura morada das estrelas da terra negra.

10. De nenhuma outra forma alcançarás o Ponto Uniforme.

11. Tampouco é conveniente para o sapateiro tagarelar sobre assuntos da Realeza. Ó sapateiro! remenda-me este sapato para que eu caminhe. Ó rei! se eu sou teu filho, falemos sobre a Embaixada para o Rei, teu Irmão.

12. Então houve silêncio. Basta-nos de discurso por enquanto.
Há uma luz tão ardente que não é percebida como luz.

13. A desgraça do lobo não é afiada como o aço; ainda assim perfura o corpo de maneira mais sutil.

14. Assim como beijos malignos pervertem o sangue, minhas palavras devoram o espírito do homem.

15. Respiro, e há infinita moléstia no espírito.

16. Como um ácido corrói o aço, como um câncer que corrompe totalmente o corpo; assim sou Eu no espírito do homem.

17. Não descansarei enquanto não houver dissolvido tudo.

18. Assim como a luz que é absorvida. Absorve-se pouca e lhe chamam branco e reluzente; absorve-se toda e lhe chamam de negro.

19. Portanto, Ó meu querido, és negro.

20. Ó meu formoso, te comparei com escravo Núbio cor de azeviche, um menino de olhos melancólicos.

21. O imundo! o cão! eles te gritam.
Porque és meu bem-amado.

22. Felizes são aqueles que te louvam; pois te enxergam com Meus olhos.

23. Não te louvarão em voz alta; mas na vigília noturna alguém se acercará e te saudará com o aperto de mão secreto; outro reservadamente lançará uma coroa de violetas sobre ti; um terceiro ousará bastante, e apertará loucos lábios contra o teu.

24. Sim! a noite encobrirá tudo, a noite encobrirá tudo.

25. Há muito me buscavas; avançavas tão rapidamente que fui incapaz de te alcançar.
Ó querido tolo! com quanta amargura coroaste também teus dias.

26. Agora estou contigo; nunca deixarei teu ser.

27. Pois sou o macio e sinuoso que se enrosca ao teu redor, coração de ouro!

28. Meu coração está incrustado com doze estrelas; Meu corpo é branco como o leite das estrelas; brilha com o azul do abismo de invisíveis estrelas.

29. Encontrei aquilo que não podia ser encontrado; encontrei uma vasilha de mercúrio.

30. Instruirás teu servo em seus caminhos, falarás com ele freqüentemente.

31. (O escriba olhou para cima e gritou) Amém! O disseste, Senhor Deus!

32. Mais tarde, Adonai dirigiu-se a V.V.V.V.V. e disse:

33. Comprazamo-nos com a massa de homens!
Transformemo-nos em um barco de madrepérola, e poderemos navegar pelo rio de Amrit!

34. Vês aquela pétala de amaranto, soprada pelo vento desde a doce e baixa fronte de Hátor?

35. (O Magister a viu e regozijou-se com sua beleza). Escuta!

36. (De um certo mundo veio um infinito gemido).
Aquela pétala cadente pareceu aos pequeninos uma onda prestes a engolfar seu continente.

37. De modo que admoestarão teu servo, dizendo: Quem te enviou para nos salvar?

38. Ele ficará dolorosamente aflito.

39. Todos eles não compreendem que tu e eu estamos criando um barco de madrepérola. Navegaremos Amrit abaixo até os bosques de teixo de Yama, onde poderemos exceder-nos em nosso regozijo.

40. A alegria dos homens será nosso resplendor prateado, seu pesar nosso resplendor azul - tudo na madrepérola.

41. (Cá o escriba estava colérico, e falou:
Ó Adonai e meu mestre, suportei o tinteiro e a pena sem paga, para poder buscar este rio de Amrit, e nele navegar como um de vós. Como gratificação peço para compartilhar do eco de vossos beijos.)

42. (E imediatamente lhe foi concedido.)

43. (Não; mas ele não se deu por satisfeito. Lutou contra uma vergonha infinitamente humilhante. Então uma voz:)

44. Lutas sempre; mesmo em tua entrega lutas para te entregares - e te digo! não te entregas.

45. Vás até os recantos mais ermos e domina todas as coisas.

46. Domina teu medo e teu desgosto. Então - te entrega!

47. Uma donzela vagava em meio ao milharal, e suspirava; então brotou um narciso, um novo nascimento, e nisto ela esqueceu seu suspiros e sua solidão.

48. No mesmo instante Hades caiu pesadamente sobre ela, e a arrebatou para longe.

48. (Então o escriba conheceu o narciso em seu coração; mas como ele não chegou a seus lábios, se envergonhou e nada mais disse.)

50. Adonai falou ainda mais uma vez com V.V.V.V.V. e disse: A terra está no ponto para a colheita; comamos suas uvas e fiquemos bêbados.

51. E V.V.V.V.V. respondeu e disse: Ó meu senhor, minha pomba, meu magnífico, como parecerá esta palavra às crianças dos homens?

52. E Ele lhe respondeu: Não como podes ver.
É certo que cada letra desta cifra tem algum valor; mas quem determinará o valor? Pois ele varia sempre, de acordo com a sutileza Daquele que o criou.

53. E Ele Lhe Respondeu: Não possuo eu a chave disto?
Estou vestido com o corpo de carne; sou uno com o Deus Eterno e Onipotente.

54. Então disse Adonai: Tens a Cabeça do Falcão, e teu Falo é o Falo de Asar. Conheces o branco, e conheces o negro, e sabes que estes são um. Mas por que buscas o conhecimento de sua equivalência?

55. E ele disse: Para que minha Obra esteja correta.

56. E Adonai disse: O forte ceifador moreno destroçou suas faixas e regozijou-se. O homem sábio contou seus músculos, e ponderou, e não compreendeu, e ficou triste.
Ceifa, e regozija-te!

57. Então o Adepto se alegrou, e levantou seu braço.
Contempla! um terremoto, e praga, e terror sobre a terra!
O derrubar dos que sentam em altos lugares; fome para as massas!

58. E a uva caiu madura e rica em sua boca.

59. Manchado está o púrpura de tua boca, Ó mais brilhante, com a branca glória dos lábios de Adonai.

60. A espuma da uva é como uma tormenta sobre o mar; os navios tremem e soçobram; o capitão está assustado.

61. Esta é tua embriaguez, Ó mais sagrado, e os ventos arrastam a alma do escriba até o alegre refúgio.

62. Ó Senhor Deus! que o refúgio seja derrubado pela fúria da tempestade! Que a espuma da uva tinja minha alma com Tua luz!

63. Baco envelheceu, e foi Sileno; Pã foi sempre Pã para sempre e sempre mais para todos os éons.

64. Intoxica o íntimo, Ó meu amante, não o exterior!

65. Assim foi - sempre o mesmo! Mirei no bastão desnudo de meu Deus e acertei; sim, acertei.


II

1. Atravessei a montanha de lápis-lazuli, como um grande falcão entre os pilares de turquesa que se assentam sobre o trono do Oriente.

2. Assim cheguei ao Duant, a morada das estrelas, e ouvi vozes que gritavam.

3. Ó Tu que te assenta sobre a Terra! (assim me falou uma criatura Velada) não és maior que minha mãe! Tu, partícula infinitesimal de poeira!
És o Senhor da Glória, e o cão impuro.

4. Mergulhando, inclinando minhas asas, vim dar nas obscuramente esplêndidas moradas. Naquele abismo disforme compartilhei dos Mistérios Adversos.

5. Sofri o abraço mortal da Serpente e do Bode; prestei a homenagem infernal à vergonha de Khem.

6. Ali estava esta virtude, que o Uno tornou-se o todo.

7. Mais além contemplei a visão de um rio. Havia nele um pequeno barco; e nele, sob velas púrpuras, uma mulher dourada, uma imagem de Asi forjada no mais puro ouro. O rio era de sangue, e o barco de aço brilhante. Então a amei; e, desatando meu cinto, arrojei-me na corrente.

8. Subi no pequeno barco, e por muitos dias e noites a amei, queimando belo incenso perante ela.

9. Sim! Dei a ela a flor de minha juventude.

10. Mas ela não se comoveu; apenas com meus beijos eu a profanei, e ela tornou-se negra perante mim.

11. Ainda assim a venerei, e lhe dei a flor de minha juventude.

12. Assim ela adoeceu, e se corrompeu perante mim. Por pouco não me lancei na corrente.

13. No final designado seu corpo estava mais branco que o leite das estrelas, e seus lábios vermelhos e cálidos como o pôr-do-sol, e sua vida de um calor branco como o calor do sol do meio-dia.

14. Então ela se ergue do abismo das Idades do Sono, e seu corpo me abraçou. Imediatamente me fundi em sua beleza e me alegrei.

15. O rio tornou-se então o rio de Amrit, e o pequeno barco era a carruagem da carne, e as velas eram o sangue do coração que me sustenta, que me sustenta.

16. Ó mulher serpente das estrelas! Eu, precisamente eu, Te moldei a partir de uma pálida imagem de delicado ouro.

17. Também o Mais Sagrado veio até mim, e contemplei um cisne branco flutuando no azul.

18. Entre suas asas me aplaquei, e os éons voaram para longe.

19. Então o cisne voou e mergulhou e alcançou as alturas, ainda que não para onde íamos.

20. Um garotinho maluco que viajava comigo se dirigiu ao cisne, dizendo:

21. Quem és tu que flutuas e voas e mergulhas e arremetes no vazio? Veja, muitos éons se passaram; de onde vieste? Aonde vais?

22. E gargalhando eu o repreendi, dizendo: Sem de onde! Sem aonde!

23. Permanecendo o cisne quieto, ele respondeu: Então, se não há objetivo, por que esta eterna jornada?

24. Apoiei minha cabeça contra a Cabeça do Cisne, e gargalhei, dizendo: Não há gozo inefável neste bater de asas sem objetivo? Não há cansaço e impaciência para quem deseja alcançar alguma meta?

25. E o cisne permaneceu silente. Ah! mas voamos no Abismo infinito. Alegria! Alegria!
Cisne branco, leva-me sempre entre tuas asas!

26. Oh, silêncio! Oh, êxtase! Oh, fim das coisas visíveis e invisíveis! Tudo isto é meu, que Não sou.

27. Deus Radiante! Deixa-me forjar uma imagem de gemas e ouro para Ti! que as pessoas a destruam e a pisoteiem até a transformarem em pó! Que Tua glória possa ser vista por eles.

28. Tampouco se dirá nos mercados que eu sou aquele que há de vir; mas Tua chegada será a única palavra.

29. Te manifestarás no imanifesto; nos lugares secretos os homens se encontrarão contigo, e Tu os sobrepujará.

30. Vi um rapaz pálido e triste tombado sobre o mármore na luz do sol, e chorava. A seu lado estava o alaúde esquecido. Ah! mas ele chorava.

31. Então veio uma águia do abismo da glória e o encobriu com sua sombra. Tão negra era a sombra que ele não estava mais visível.

32. Mas escutei o alaúde discursar vivamente através do ar azul e tranqüilo.

33. Ah! mensageiro do Bem-Amado, lance Tua sombra sobre mim!

34. Teu nome é Morte, pode ser, ou Vergonha, ou Amor.
Me trazes notícias do Bem-Amado, não perguntarei teu nome.

35. Onde está o Mestre agora? gritam os garotinhos loucos.
Está morto! Está envergonhado! Está casado! e sua zombaria circundará o mundo.

36. Mas o Mestre terá sua recompensa.
A gargalhada dos zombeteiros será um murmúrio no cabelo do Bem-Amado.

37. Vê! o Abismo da Grande Profundeza. Nele há um poderoso golfinho, açoitando seus flancos com a força das ondas.

38. Há também um harpista de ouro, tocando melodias infinitas.

39. Então o golfinho deleitou-se, despojou-se de seu corpo e se tornou um pássaro.

40. Também o harpista deixou sua harpa de lado, e tocou melodias infinitas na Flauta de Pã.

41. Então o pássaro desejou extraordinariamente este gozo, e abandonando suas asas tornou-se um fauno da floresta.

42. O harpista largou sua Flauta de Pã, e com a voz humana cantou suas melodias infinitas.

43. O fauno estava então em êxtase, e foi adiante; finalmente o harpista silenciou, e o Fauno tornou-se Pã no centro da floresta primal da Eternidade.

44. Não podes encantar o golfinho com silêncio, Ó meu profeta!

45. Então o adepto se arrebatou no gozo, e além do gozo, e excedeu o excesso do excesso.

46. Seu corpo tremeu e cambaleou com o fardo deste gozo e deste excesso e deste absoluto sem nome.

47. Eles gritaram Está bêbado ou Está louco ou Sente dor ou Vai morrer; e ele não os escutou.

48. O meu Senhor, meu amado! Como posso compor canções, quando mesmo a memória da sombra de tua glória é algo além de toda música da palavra ou do silêncio?

49. Vê! Sou um homem. Mesmo uma criancinha não te resistiria. E contempla!

50. Estava sozinho em um grande parque, e havia em um determinado outeiro um anel de grama espessamente esmaltada onde belíssimas crianças brincavam, vestidas de verde.

51. Em sua brincadeira cheguei até a terra do Sono das Fadas.
Todos meus pensamentos estavam vestidos de verde; eram belíssimos.

52. Dançaram e cantaram a noite inteira; mas Tu és a manhã, Ó meu querido, minha serpente que se enrosca em volta deste coração.

53. Sou o coração, e És a serpente. Enrosca tuas espirais mais perto de mim, de modo que nem luz nem gozo possam penetrar.

54. Espreme de mim meu sangue, como uma uva sobre a língua de uma branca garota Dória que lânguida repousa com seu amante à luz da lua.

55. Então que o Fim acorde. Longo foi teu sono, Ó grande Deus Terminus! Longas Eras aguardaste no fim da cidade e suas estradas.
Acorda! não esperes mais!

56. Não, Senhor! mas vim até Ti. Sou Eu que espero, finalmente.

57. O profeta gritou contra a montanha; aproxima-te, para que eu possa falar contigo!

58. A montanha não se mexeu. Então o profeta foi à montanha, e falou a ela. Mas os pés do profeta estavam cansados, e a montanha não escutou sua voz.

59. Mas Te chamei, e viajei até Ti, e de nada me serviu.

60. Pacientemente esperei, e Estavas comigo desde o princípio.

61. Agora o sei, Ó meu amado, e repousamos aliviados entre o vinhedo.

62. Mas estes teus profetas; eles devem gritar e se flagelar; eles devem cruzar ermos inexplorados e oceanos insondáveis; esperar-Te é o fim, não o princípio.

63. Que a escuridão encubra o escrito! Que o escriba parta por seus caminhos.

64. Mas tu e eu repousamos aliviados entre o vinhedo; o que é ele?

65. Ó Bem-Amado! não há um fim? Não, mas há um fim. Desperta! levanta! prepara teus membros, Ó corredor; carregue a Palavra até as poderosas cidades, sim, até as poderosas cidades.


III

1. Em verdade e Amém! Passei pelo mar profundo, e pelos rios de água corrente que lá abundam, e cheguei à Terra Sem Desejo.

2. Lá estava um unicórnio branco com uma coleira de prata, onde estava gravado o aforismo Linea viridis gyrat universa.

3. Então a palavra de Adonai chegou a mim pela boca de meu Magister, dizendo:
Ó coração que se enrosca com as espirais da velha serpente, suba até a montanha da iniciação!

4. Mas lembrei. Sim, Than, sim, Theli, sim Lilith! estas três estiveram próximas a mim desde sempre. Pois são uma.

5. Eras bela, Ó Lilith, mulher-serpente!

6. Eras flexível e deliciosa ao paladar, e teu perfume era o do almíscar mesclado ao âmbar cinzento.

7. Com força prendeste tuas espirais no coração, e foi como a alegria de toda a primavera.

8. Mas notei em ti uma certa mancha, justamente naquilo com o que me deleitava.

9. Percebi em ti a mancha de teu pai, o símio, de teu grande progenitor, o Verme Cego do Lodo.

10. Contemplei o Cristal do Futuro, e vi o horror de teu Fim.

11. Em seguida, destruí o Passado, e o Por Vir - não tinha eu o Poder da Ampulheta?

12. Mas na mesma hora notei perversidade.

13. Então disse: Ó amado meu, Ó Senhor Adonai, rogo-te que afrouxes as espirais da serpente!

14. Mas ela estava apertada contra mim, de modo que minha Força ficou presa em seu início.

15. Roguei também ao Deus Elefante, o Deus dos Inícios, que derruba os obstáculos.

16. Estes deuses me acudiram rapidamente. Contemplei-os; me uni a eles; estava perdido em sua vastidão.

17. Então me vi circundar o Infinito Círculo de Esmeralda que envolve o Universo.

18. Ó Serpente de Esmeralda, não Tens Passado, nem Por Vir. Em verdade não És.

19. És deliciosa além de todo tato e paladar, Tu não-hás-de-ser-contemplada por glória, Tua voz vai além da Fala e do Silêncio e da Fala que nele reside, e Teu perfume é puro âmbar cinzento, que não se pode comparar com o mais delicado ouro.

20. Tuas espirais são de alcance infinito; o Coração que envolves é um Coração Universal.

21. Eu, e Mim, e Meu sentávamos com alaúdes no mercado da grande cidade, a cidade das violetas e das rosas.

22. Caiu a noite, e cessou a música dos alaúdes.

23. Surgiu a tempestade, e cessou a música dos alaúdes.

24. Passaram as horas, e cessou a música dos aláudes.

25. Mas És Eternidade e Espaço; És Matéria e Movimento; e És a negação de todas estas coisas.

26. Pois não há Símbolo Teu.

27. Se digo Vem até as montanhas! as águas celestiais fluem ao meu comando. Mas és a Água além das águas.

28. O coração vermelho e triangular foi depositado em Teu santuário; pois os sacerdotes desprezavam igualmente o santuário e o deus.

29. Durante todo o tempo Estavas escondido ali dentro, como o Senhor do Silêncio está escondido nos botões da lótus.

30. És Sebek, o crocodilo, contra Asar; és Mati, o Assassino das Profundezas. És Tífon, a Fúria dos Elementos, Ó Tu que transcendes as Forças em seu Concurso e Coesão, em sua Morte e sua Ruptura. És Píton, a terrível serpente do fim de todas as coisas!

31. Me virei três vezes em todas as direções; e no final sempre cheguei a Ti.

32. Muitas coisas vi mediatas e imediatas; mas, não as vendo mais, Te vi.

33. Venha, Ó Bem-Amado, Ó Senhor Deus do Universo, Ó Vastíssimo, Ó Minúsculo! Sou Teu amado.

34. Durante o dia canto Teu deleite; durante a noite me deleito em Tua canção.

36. Estás além do dia e da noite; sou Tu, Ó meu Criador, meu Mestre, meu Companheiro!

37. Sou como o cãozinho vermelho que repousa nos joelhos do Desconhecido.

38. Me levaste ao maior dos prazeres. Deste-me Tua carne para comer e Teu sangue para me embriagar.

39. Apertaste as presas da Eternidade em minha alma, e o Veneno do Infinito me consumiu por completo.

40. Voltei como um suculento demônio da Itália; uma mulher bela e forte, de bochechas cansadas, devoradas pela fome de beijos. Ela foi prostituta em diversos palácios; ela ofereceu seu corpo às bestas.

41. Ela matou seus parentes com forte veneno de rãs; foi açoitada com muitos bastões.

42. Foi esquartejada sobre a Roda; as mãos do carrasco a prenderam ali.

43. As fontes d'água foram soltas sobre ela; lutou contra uma tortura extrema.

44. Ela se despedaçou com o peso das águas; afundou no Mar grandioso.

45. Assim sou Eu, Ó Adonai, meu senhor, e assim são as águas de Tua intolerável Essência.

46. Assim sou Eu, Ó Adonai, meu amado, e me Despedaçaste completamente.

47. Sou espargido como sangue vertido sobre as montanhas; os Corvos da Dispersão me carregaram para muito longe.

48. Assim foi o selo que guardava o Oitavo abismo foi rompido; assim é o mar vasto como um véu; assim todas as coisas se despedaçam.

49. Sim, e em verdade também És a água fresca e tranqüila da fonte do feiticeiro. Me banhei em Ti, e me perdi em Tua quietude.

50. Aquele que veio como um corajoso rapaz de belos membros retornou como uma donzela, como uma pequena criança para a perfeição.

50. Ó luz e deleite, arrebata-me para o oceano lácteo das estrelas!

52. Ó Filho de uma mãe de luz transcendente, abençoado seja Teu nome, e o Nome de Teu Nome, por todas as eras!

53. Vê! Sou uma borboleta no Manancial da Criação; que eu morra antes da hora, caindo morto em tua corrente infinita!

54. A corrente de estrelas flui sempre majestosa até a Morada; leva-me até o Seio de Nuit!

55. Este é o mundo das águas de Maim; esta é a água amarga que tornou-se doce. És belo e amargo, Ó dourado, Ó meu Senhor Adonai, Ó Abismo de Safira!

56. Te sigo, e as águas da Morte lutam energicamente contra mim. Sigo até as Água além da Morte e da Vida.

57. Como responderei ao homem tolo? De modo algum ele alcançará Tua Identidade!

58. Mas sou o Louco que não dá atenção ao Jogo do Mago. A Mulher dos Mistérios me instrui em vão; despedacei os laços do Amor e do Poder e da Adoração.

59. Assim a Águia está unida ao Homem, e os patíbulos da infâmia dançam com o fruto dos justos.

60. Mergulhei, Ó meu querido, nas águas negras e brilhantes, e te colhi como uma pérola negra de preciosidade infinita.

61. Desci, Ó meu Deus, no abismo do todo, e Te encontrei por lá disfarçado de Nada.

62. Mas És o Último, És também o Próximo, e como o Próximo te revelo às massas.

64. Glorioso, glorioso, glorioso És, Ó meu amante celestial, Ó Ser de mim mesmo.

65. Pois igualmente Te encontrei no Mim e no Ti; não há diferença, Ó meu belo, meu desejabilíssimo! No Uno e no Múltiplo Te encontrei; sim, Te encontrei.


IV

1. Ó coração de cristal! Eu, a Serpente, Te agarro; levo minha cabeça até o lar em Teu âmago central, Ó Deus meu amado.

2. Nos altos do Mitylene, onde ressoa um vento retumbante, uma mulher de aparência divina deixa a lira de lado, e com seus cachos inflamados como uma auréola mergulha no coração úmido da Criação, Ó Senhor meu Deus!

3. Há beleza indizível neste coração de perversidade, onde as flores estão em chamas.

4. Ai de mim! mas a sede de Tua alegria resseca esta garganta, e não posso cantar.

5. Farei de minha língua um pequeno barco, e explorarei os rios desconhecidos. Quiçá o sal eterno se transforme em doçura, e minha vida não mais será sedenta.

6. Ó vós que bebeis da salmoura de vosso desejo, próximos estais da loucura! Vossa tortura cresce enquanto bebeis, e ainda assim o fazeis. Vinde até os riachos de água fresca; estarei vos esperando com meus beijos.

7. Como o bezoar que é encontrado no ventre da vaca, assim é meu amante entre os amantes.

8. Ó doce rapaz! Traga-me Teus suaves membros! Sentemos um pouco no pomar, até o sol se pôr! Festejemos sobre a grama macia! Trazei vinho, escravos, para que as bochechas de meu rapaz se incendeiem.

9. No jardim de beijos imortais, Ó Mais Brilhante, resplandeça! Faz de Tua boca uma papoula, que um beijo seja a chave para o sono infinito e lúcido, o sono de Shi-loh-am.

10. Em meu sono contemplei o Universo como um claro cristal imaculado.

11. Há pobres orgulhosos de seus bolsos que ficam na porta da taverna e tagarelam sobre suas façanhas como bebedores de vinho.

13. Os convidados gracejam sobre divãs de madrepérola no jardim; o ruído dos homens tolos é escondido deles.

14. Apenas o taberneiro teme que o favor do rei lhe seja retirado.

15. Assim falou o Magister V.V.V.V.V. para Adonai seu Deus, enquanto brincavam na luz das estrelas junto do profundo e negro reservatório que fica no Lugar Sagrado da Casa Sagrada debaixo do Altar do Mais Sagrado.

16. Mas Adonai gargalhou, e brincou mais languidamente.

17. Então o escriba tomou nota, e se alegrou. Mas Adonai não temia o Mago e seu jogo.
Pois foi Adonai quem ensinou todos os truques para o Mago.

18. E o Magister entrou no jogo do Mago. Quando o Mago riu ele riu; tudo como um homem faria.

19. E Adonai disse: Estás enredado na teia do Mago. Isto Ele disse sutilmente, para testá-lo.

20. Mas o Magister mostrou o sinal do Mestrado, e riu de volta para Ele: Ó Senhor, Ó amado, descansaram estes dedos em Teus cachos, ou se afastaram estes olhos dos Teus?

21. E Adonai se deleitou extraordinariamente com ele.

22. Sim, Ó meu mestre, és o amado do Bem-Amado; o Pássaro Bennu não está assentado no PhilÆ em vão.

23. Eu que fui a sacerdotisa de Ahathoor regozijo-me em teu amor. Erga-te, Ó Deus do Nilo, e devore o lugar sagrado da Vaca Celestial! Que o leite das estrelas seja bebido por Sebek, o habitante do Nilo!

24. Erga-te, Ó serpente Apep, És Adonai o bem-amado! És meu querido e meu senhor, e Teu veneno é mais doce que os beijos de Ísis, a mãe dos Deuses!

25. Pois És Ele! Sim, Engolirás Asi e Asar, e os filhos de Ptah. Derramarás uma torrente de veneno para destruir os trabalhos do Mago. Apenas o Destruidor Te irá devorar; Escurecerás sua garganta, onde reside seu espírito. Ah, serpente Apep, mas Te amo!

26. Meu Deus! Que Tua presa secreta perfure até a medula deste ossinho secreto que mantive para o Dia da Vingança de Hoor-Ra. Que Kheph-Ra ressoe seu zumbido fragmentado! que os chacais do Dia e da Noite uivem no deserto do Tempo! que as Torres do Universo cambaleiem, e que correndo fujam os guardiões! Pois meu Senhor revelou-Se como uma poderosa serpente, e meu coração é o sangue de Seu corpo.

27. Sou como uma cortesã apaixonada de Corinto. Me diverti com reis e capitães, e os fiz meus escravos. Hoje sou escrava da pequena cobra da morte; quem desatará nosso amor?

28. Exausto, exausto! disse o escriba, quem me conduzirá à visão do Êxtase de meu mestre?

29. Está cansado o corpo, a alma dolorosamente exausta e o sono lhe pesa nas pálpebras; ainda assim mantém a firme consciência do êxtase, desconhecido, ainda que saibamos que seu ser é verdadeiro. Ó Senhor, venha em meu auxílio, e leva-me ao gozo do Bem-Amado!

30. Cheguei na casa do Bem-Amado, e o vinho era como fogo que voa com verdes asas através do mundo das águas.

31. Senti os lábios vermelhos da natureza e os lábios negros da perfeição. Como irmãs elas acariciaram a mim, seu irmão menor; me ornaram como uma noiva; me elevaram à Tua câmara nupcial.

32. Elas fugiram quando Chegaste; fiquei sozinho frente a Ti.

33. Tremi quando Chegaste, Ó meu Deus, pois Teu mensageiro era mais terrível que a estrela-da-Morte.

34. No umbral surgiu a fulminante figura do Mal, o Horror do vazio, com seus olhos cadavéricos como poços envenenados. Ele surgiu, e a câmara encheu-se de perversidade; o ar fedia. Era um peixe velho e nodoso, mais hediondo que as carapaças de Abaddon.

35. Ele me envolveu com seus tentáculos demoníacos; sim, os oito medos se apossaram de mim.

36. Mas eu estava ungido com o correto e doce óleo do Magister; deslizei do abraço como uma pedra lançada pela funda de um garoto dos bosques.

37. Eu estava liso e rígido como marfim; o horror não se manteve. Então, ao som do vento de Tua chegada, ele se dissolveu, e o abismo do grande vácuo se desdobrou perante mim.

38. Através do mar sem ondas da eternidade Navegaste com Teus capitães e Tuas hostes; com Tuas carruagens e cavaleiros e lanceiros Viajaste através do azul.

39. Antes de ver-Te já Estavas comigo; fui trespassado por Tua maravilhosa lança.

40. Fui atingido como um pássaro pelo raio do trovejador; fui perfurado como o ladrão pelo Senhor do Jardim.

41. Ó meu Senhor, naveguemos sobre o mar de sangue!

42. Há uma profunda mácula sob o gozo inefável; é a mácula da geração.

43. Sim, embora a flor brilhe ao sol, a raiz está nas profundezas da escuridão da terra.

44. Louvor a ti, Ó bela terra escura, és a mãe de um milhão de miríades de miríades de flores.

45. Também contemplei meu Deus, e Seu brilho era milhares de vezes maior que o do relâmpago. Ainda assim em seu coração percebi a Lenta e Obscura, a antiga, a devoradora dos Seus filhos.

46. Nas alturas e no abismo, Ó meu belo, não há coisa, em verdade, não há coisa alguma que não esteja total e perfeitamente moldada para Teu deleite.

47. Luz une-se à Luz, e imundície à imundície; com orgulho uma contém a outra. Mas não Tu, que és tudo, e mais além; estás absolvido da Divisão das Sombras.

48. Ó dia de Eternidade, que Tua onda quebre em glória de safira sobre o laborioso coral de nossa criação!

49. Nos fizemos um anel de areia branca e reluzente, sabiamente espalhada no meio do Encantador Oceano.

50. Que as palmeiras radiantes floresçam em nossa ilha; comeremos de seu fruto, e seremos gratos.

51. Mas para mim a água lustral, a grande ablução, o dissolver da alma no estrondoso abismo.

52. Tenho um filho pequeno que é como um bode travesso; minha filha é como uma pequena águia implume; lhes crescerão barbatanas para que possam nadar.

53. Que possam nadar, Ó meu amado, nadar longe no cálido mel de Teu ser, Ó abençoado, Ó rapaz de beatitude!

54. Este coração meu está rodeado pela serpente que devora suas próprias espirais.

55. Quando haverá um fim, Ó meu querido, Oh, quando o Universo e seu Senhor serão totalmente engolidos?

56. Não! quem irá devorar o Infinito? quem irá desfazer o Erro do Princípio?

57. Te lamurias como um gato branco sobre o telhado do Universo; não há ninguém para Te responder.

58. És como um pilar solitário no meio do mar; não há ninguém para Te contemplar, Ó tu que a todos contempla!

59. Desfaleces, falhas, ó escriba; brada a desolada Voz; mas te enchi de um vinho cujo sabor não conheces.

60. Com ele poderás embriagar o povo da antiga esfera cinzenta que rola pelo Longínquo infinito; sorverão o vinho como cães que lambem o sangue de uma bela cortesã atravessada pela Lança de um veloz cavaleiro que passa pela cidade.

61. Também sou a Alma do deserto; me buscarás novamente na imensidão de areia.

62. À tua mão esquerda um grande senhor elegante; à tua mão esquerda uma mulher vestida de finíssima seda e ouro, com estrelas no cabelo. Viajareis longe até uma terra de pestilência e maldade; acamparão no rio de uma tola cidade esquecida; ali vos encontrareis Comigo.

63. Lá farei Minha habitação; virei adornado e ungido como para um casamento; lá se efetivará a Consumação.

64. Ó meu querido, também aguardo pelo brilho da inefável hora, quando o universo será como uma circunferência para o centro do raio de teu amor, estendendo-se além do fim permitido do Infinito.

65. Então, Ó Coração, eu, a serpente, te devorarei por inteiro; sim, te devorarei por inteiro.


V

1. Ah! meu Senhor Adonai, brincas com o Magister na Casa dos Tesouros das Pérolas, deixe-me ouvir o eco de seus beijos.

2. Ao trêmulo êxtase de teu amor, não estremece o céu estrelado, como uma folha? Não sou eu a fagulha de luz carregada em redemoinhos pelo grandioso vento de tua perfeição?

3. Sim, bradou o Mais Sagrado, e com Tua fagulha Eu, o Senhor, acenderei um grande fogo; incendiarei a grande cidade na terra velha e desolada; a limparei de sua grande impureza.

4. E tu, Ó profeta, verá estas coisas, e não se importará com elas.

5. Agora o Pilar estabeleceu-se no Vácuo; agora Asi está preenchida de Asar; agora Hoor está abandonado na Alma Animal das Coisas como uma estrela incandescente que tombou na escuridão da terra.

6. À meia-noite surges, Ó minha criança, meu conquistador, meu capitão espadachim, Ó Hoor! e te encontrarão como uma cintilante e nodosa pedra negra, e te venerarão.

7. Meu profeta te preconizará; em tua volta dançarão as donzelas, e delas nascerão bebês luminosos. Encherá os orgulhosos de orgulho infinito, e os humildes com um êxtase de degradação; tudo isto transcenderá o Conhecido e o Desconhecido com algo que não tem nome. É como o abismo do Arcano que se abre no secreto Local do Silêncio.

8. Aqui chegaste, Ó meu profeta, através de caminhos severos. Comeste do estrume dos Mais Abomináveis; te prostraste ante o Bode e o Crocodilo; os perversos fizeram de ti um brinquedo; vagaste como uma prostituta pintada, seduzindo pelas ruas com doce aroma e maquiagem Chinesa; escureceste tuas olheiras com Kohl; tingiste teus lábios com carmim; enrijeceste tuas bochechas com esmaltes de marfim. Fornicaste em cada portão e ruela da grande cidade. Os homens da cidade te desejavam para abusar de ti e te espancar. Engoliram os adornos dourados de delicada poeira com que decorava teu cabelo; açoitaram tua pele pintada com seus chicotes; sofreste coisas indizíveis.

9. Mas eu queimava dentro de ti como pura chama sem óleo. À meia-noite eu era mais brilhante que a lua; de dia eu ofuscava o sol por completo; nos meandros de teu ser me inflamava, e dissipava a ilusão.

10. Portanto és completamente puro perante Mim; portanto és Minha virgem para toda a eternidade.

11. Portanto te amo com incomparável amor; portanto aqueles que te desprezam irão te adorar.

12. Serás amável e compassivo com eles; tu os curará do mal impronunciável.

13. Eles irão mudar em sua destruição, como duas estrelas que se chocam no abismo, e flamejam em um queimar infinito.

14. Durante todo este tempo Adonai perfurava meu ser com sua espada que possui duas lâminas; a lâmina do relâmpago, a lâmina do Pylon, a lâmina da serpente, a lâmina do Falo.

15. Ele também me ensinou a sagrada e impronunciável palavra Ararita, e assim derreti o ouro sêxtuplo em um único ponto invisível, do qual nada pode ser dito.

16. Pois o Mestrado desta Obra é um mestrado secreto; e o sinal de seu mestre é um determinado anel de lápis-lazuli com o nome de meu mestre, que sou Eu, e o Olho em seu Centro.

17. Também disse Ele: Este é um sinal secreto, e não o revelarás ao profano, nem ao neófito, nem ao zelator, nem ao practicus, nem ao philosophus, nem ao adepto menor, nem ao adepto maior.

18. Mas ao adepto exempto te revelarás se precisares dele para as operações menores de tua arte.

19. Aceite a adoração das pessoas tolas, a quem odeias. O Fogo não se profana com os altares dos Ghebers, nem a Lua se contamina com o incenso daqueles que adoram a Rainha da Noite.

20. Vagarás entre as pessoas como um diamante precioso entre diamantes turvos, e cristais, e pedaços de vidro. Apenas o olho do exato mercador te distingüirá, e te agarrando nas mãos te apreciará e te glorificará perante os homens.

21. Mas não te importarás com nada disto. Serás sempre o coração, e eu a serpente que me enrosco ao teu redor. Minha espiral nunca se afrouxará com o passar dos éons. Nem a mudança, nem a aflição, nem a insubstancialidade te possuirão; pois passaste por tudo isto.

22. Como o diamante brilha vermelho para a rosa, e verde para a folha da rosa; assim te manterás à parte das Impressões.

23. Eu sou Tu, e o Pilar está estabelecido no vácuo.

24. Também estás além das estabilidades do Ser e da Consciência e do Gozo; pois Eu sou Tu, e o Pilar está estabelecido no vácuo.

25. Também discorrerás sobre as coisas que os homens escreveram para si, e ele tomará parte delas como sacramento; pois Eu sou tu sou ele, e o Pilar está estabelecido no vácuo.

26. Da Coroa ao Abismo, assim vá, solitário e ereto. A esfera sem limites também brilhará com seu esplendor.

27. Te regozijarás nos açudes de água adorável; adornarás tuas donzelas com pérolas de fecundidade; acenderás fogos como línguas de licor dos Deuses entre os açudes.

28. Converterá o ar que a tudo arrasta em brisas de água transparente, transmutarás a terra em um azul abismo de vinho.

29. Rubro é o cintilar do rubi e do ouro que dentro dele brilha; uma gota embriagaria o Senhor dos Deuses, meu servo.

30. Também Adonai falou a V.V.V.V.V. dizendo: Ó meu pequenino, meu delicado, meu pequeno adorável, minha gazela, meu belo, meu rapaz, enchamos o pilar do Infinito com um beijo infinito!

31. Assim o estável estremeceu e o instável enrijeceu-se.

32. Aqueles que o contemplaram lamentaram-se com um formidável pavor: O fim de tudo chegou.

33. E assim foi.

34. Estava também na visão do espírito e contemplei uma pompa parricida de ateus, emparelhados dois a dois no êxtase celestial das estrelas. Gargalhavam e se regozijavam excessivamente, vestidos em túnicas púrpuras e embriagados com vinho púrpura, e todas suas almas eram uma única florescente chama púrpura de santidade.

34. Eles não contemplavam Deus; não contemplavam a Imagem de Deus; por isso foram elevados até o Palácio do Esplendor Inefável. Uma espada afiada esgrimiu perante eles, e a seus pés o verme Esperança se contorcia em agonia de morte.

36. Assim como seu êxtase despedaçou a Esperança visível, também o Medo Invisível fugiu e não mais foi.

36. Ó vós que estais além de Aormuzdi e Ahrimanes! abençoados sois por todas as eras.

38. Eles moldaram a dúvida na forma de uma foice, e ceifaram as flores da Fé para suas grinaldas.

39. Transformaram o Êxtase em uma lança, e perfuraram o antigo dragão que sentava-se sobre a água estagnada.

40. Então as fontes de água fresca foram abertas, para que o povo se aliviasse.

41. E novamente fui levado à presença de meu Senhor Adonai, e ao conhecimento e Conversação do Sagrado, o Anjo que me Guarda.

42. Ó Santíssimo Exaltado, Ó Ser além do ser. Ó Imagem Luminosa do Nada Inimaginável, Ó meu querido, meu belo, Venha e siga-me.

43. Adonai, divino Adonai, que Adonai inicie um refulgente devaneio! Assim ocultei o nome Dela que inspira meu êxtase, o aroma de cujo corpo perturba minha alma, a luz de cuja alma degrada este corpo até as feras.

44. Suguei o sangue com meus lábios; drenei Sua beleza de seu sustento; a degradei perante mim, a dominei, a possui, e Sua vida está dentro de mim. Com Seu sangue inscrevi os enigmas secretos da Esfinge dos Deuses, que ninguém compreenderá - com exceção apenas do puro e voluptuoso, o casto e o obsceno, o andrógino e o ginandro, que passou além das barras da prisão que o velho Lodo de Khem estabeleceu nos portões de Amenti.

45. Ó minha adorável, minha deliciosa, todas as noites verterei a libação em Teus altares; todas as noites queimarei o sacrifício de sangue; todas as noites balançarei o turíbulo de meu deleite ante Ti, e o fervor das preces embriagará Tuas narinas.

46. Ó Tu que vieste da terra do Elefante, com a pele do tigre em volta da cintura, e coroada com a grinalda da lótus do espírito, Inebrias minha vida com Tua loucura, para que Ela brinque ao meu passar.

47. Ordena que Tuas donzelas, que Te seguem, estendam-nos uma cama de flores imortais, e sobre elas obteremos nosso prazer. Ordena que Teus sátiros espalhem espinhos por entre as flores, e sobre eles obteremos nossa dor. Que prazer e dor unam-se em uma única e suprema oferenda ao Senhor Adonai!

48. Escutei também a voz de Adonai, o Senhor, o mais desejável, tratando daquilo que está além.

49. Que os habitantes de Tebas e de seus templos nunca tagarelem sobre as Colunas de Hércules e o Oceano Ocidental. Não é bonita a água do Nilo?

50. Que o sacerdote de Ísis não descubra a nudez de Nuit, pois cada passo é uma morte e um nascimento. O sacerdote de Ísis levantou o véu de Ísis, e foi assassinado pelos beijos de sua boca. Então foi ele o sacerdote de Nuit, e bebeu do leite das estrelas.

51. Que o fracasso e a dor não separam os adoradores. As fundações da pirâmide foram talhadas em rocha viva, não no pôr-do-sol; por acaso na aurora o rei lamentou-se que a coroa da pirâmide ainda não havia sido minerada na terra distante?

52. Havia também um colibri que falou com o cerastes de chifres, e lhe implorava veneno. E a grande serpente de Khem, a Santíssima, a serpente real do Uræus, lhe respondeu, dizendo:

53. Naveguei através do céu de Nu no carro chamado Milhões-de-Anos, e não vi nenhuma criatura sobre Seb que fosse igual a mim. A peçonha de minha presa é herança de meu pai, e do pai de meu pai; como poderei dá-la para ti? Que tu e teus filhos vivam como eu e meus pais vivemos, durante centenas de milhões de gerações, e talvez a misericórdia dos Poderosos conceda a teus filhos uma gota do veneno dos antigos.

54. Então o colibri sentiu aflição em seu espírito e voou até as flores, e foi como se nada houvesse sido falado entre eles. Mas logo depois a serpente o golpeou até matá-lo.

55. Mas um Íbis que meditava sobre a margem do Nilo, o belo deus, escutou e ouviu. E deixou de lado seus modos de Íbis, e tornou-se como uma serpente, dizendo: Porventura em uma centena de milhões de gerações, meus filhos alcançarão uma gota do veneno da presa do Exaltado.

56. E vê! antes que a lua crescesse três vezes ele se tornou uma serpente do Uræus, e o veneno da presa se estabeleceu nele e em sua semente para sempre e para sempre.

57. Ó tu, Serpente Apep, meu Senhor Adonai, é um fragmento insignificante de tempo esta viagem através da eternidade, e em Tua visão os limites são de belo mármore branco intocado pela ferramenta do gravador. Por isso és meu, agora e para sempre e permanentemente. Amém.

58. Além disso, ouvi a voz de Adonai: Lacra o livro do Coração e da Serpente; sob o número cinco e sessenta lacres o livro sagrado.
Como delicado ouro que é forjado em um diadema para a bela rainha do Faraó, como grandes pedras que juntas são cimentadas na Pirâmide da cerimônia da morte de Asar, assim una as palavras e os feitos, para que em tudo haja um Pensamento de Mim, Adonai, teu deleite.

59. Respondi, dizendo: Está feito de acordo com Tua palavra. E estava feito. E eles que leram o livro e o debateram passaram à terra desolada das Palavras Estéreis. E eles que lacraram o livro em seu sangue foram os escolhidos de Adonai, e o Pensamento de Adonai foi uma Palavra e um Feito; e eles habitaram na Terra que os longínquos viajantes chamam de Nada.

60. Ó terra além do mel e das especiarias e de toda a perfeição! Nela habitarei junto a meu Senhor para sempre.

61. E o Senhor Adonai deleitou-se em mim, e levo a Taça de Sua alegria aos exaustos da velha terra cinzenta.

62. Os que bebem dela caem doentes; a abominação lhes possuiu, e seu tormento é como a espessa fumaça negra da morada maligna.

63. Mas dela beberam os escolhidos, e tornaram-se como meu Senhor, meu belo, meu desejável. Não há vinho como este vinho.

64. Eles estão reunidos em um coração incandescente, como Rá que ao redor Dele, ao entardecer, reúne suas nuvens em um derretido mar de Alegria; e a serpente que é a coroa de Rá os prende com o cinturão dourado de beijos mortais.

65. Assim é também o final do livro, e o Senhor Adonai o envolve por todos os lados como um Relâmpago, e um Pylon, e uma Serpente, e um Falo, e em seu centro ele é como a Mulher que verte de suas mamas o leite das estrelas; sim, de suas mamas o leite das estrelas.


Traduzido por k-Ouranos 333


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