(putaria.) |
#4
; edição calhorda
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as coisas últimas |
daniel pellizzari
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the
world is just a sphere Calor. Suzi Sibila entra na boate onde trabalha e não fica surpresa quando a encontra praticamente vazia de clientes. São dez horas, vinte e três minutos e cinco segundos da noite de trinta e um de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e nove. Os clientes são dois: um homem franzino debruçado sobre o balcão e o outro, vestido demais para uma época tão quente do ano, enfurnado sozinho em uma das mesas do fundo. Ambos bebem uísque. Ela dá um rápido olá para Gérson, o garçom, que pergunta se ela pretende trabalhar hoje. Todo mundo está de folga para fazer festa, e ele resolveu ficar por ali porque sabe que o final do milênio é só no próximo ano. Hoje não tem nada de especial, é só mais um reveillón como os outros.
O outro homem apenas dá
uma gargalhada, balança a cabeça e tira o sobretudo, que
atira sem cuidado na mesa vazia a seu lado. "Nem me fale do filho da
puta do Gregório", diz, "e eu o que eu estava querendo
dizer é que este reveillon é especial, sim." /o Narrador quer dizer mais algumas coisinhas que acha que deve: o fato é que Suzi nunca erra em suas previsões, e adquiriu certa fama entre suas colegas. Ela é prostituta, profissão escolhida pela praticidade de unir abundância de material de trabalho com remuneração razoável. Sempre teve dúvidas da eficácia de abrir um consultório, principalmente por gostar de fazer previsões sobre o futuro próximo da humanidade e ter aversão a picuinhas do tipo "será que ele me ama?" ou dicas para jogos de azar. Além do mais, sempre teve atração pela noite e por atividades não-convencionais. A prostituição veio como uma bênção. Quando algum cliente mais puritano pergunta algo do estilo "mas o que levou você a esta vida?" ela apenas sorri, continua observando os movimentos das bolas dentro do saco - "as marés, as marés", ela costuma resmungar nestes momentos - e faz comentários quase alheios sobre as hetairas e todo o tipo de prostitutas sagradas da antigüidade. Suas colegas do passado, como faz questão de frisar. Aprendeu essas coisas com um de seus primeiros clientes, o mesmo que juntou o Sibila ao Suzi: ela gostou do significado, da sonoridade e do pau sempre duro do homem de meia-idade, que parou de aparecer de repente. Primeiro Suzi, a bonequinha loira, depois Suzi Sibila, a poderosa. Quando nasceu, foi batizada de Júlio. Júlio Antônio. Pais não têm muita noção na hora de escolher nomes./
"Não é por
isso, não. É porque este aqui vai ser o último final
de ano." Suzi vai até o fundo da
boate e senta ao lado do encapotado. "E como você sabe
disso?", pergunta. Ele tira uma carteira de cigarro
de um dos muitos bolsos. "Tenho minhas maneiras,
pode acreditar. Tem fogo?" O homem do balcão pega
seu uísque e senta-se ao lado de Suzi. Um por um, se apresentam.
"Muito prazer, meu nome
é Rolando." "Eu sou a Suzi. Me chamam
de Suzi Sibila." "Adamastor." /o Narrador avisa que não
quer dizer mais nada a partir daqui. É chato interromper uma história
com comentários oniscientes. Obrigado e volte sempre, agradecemos
a preferência, et cetera ad nauseam/ "Adamastor é um nome meio raro."
Ela sorri, cruza as pernas e
olha de leve para baixo. "Não é meu
nome de verdade." Ele coça o nariz aquilino,
afasta uma mecha do cabelo preto e liso que cai sobre seu olho esquerdo
e dá mais uma tragada no cigarro. "Adamastor é meu
apelido. Meu nome é Los Angeles. Los Angeles dos Anjos." Rolando se engasga com o uísque
e começa a dar gargalhadas. "Tudo bem, pode rir. É
uma piada interna de meu pai, ele tem dessas coisas." Coloca a mão no joelho
de Suzi. "E o seu nome de verdade,
qual é?" Ela afasta a perna com um reflexo.
"Suzi Sibila." "Hmm." Um sorriso leve aparece nos lábios
finos e vermelhos, que em conjunto com a pele branca lhe dão um
aspecto feminino, apesar do nariz e da barba por fazer. Suzi olha de relance
para as mãos de Adamastor e percebe as unhas compridas e bem-feitas.
Rolando toma um último gole de seu uísque e pergunta: "Vocês sabem de onde
vem meu nome?" Os outros não lhe dão
atenção. Suzi, agora com os olhos fixos nas sobrancelhas
bem-delineadas de Adamastor, pede: "Fale mais sobre este fim
de ano ser o último de todos." "Vai mesmo ser o último,
a menos que eu faça alguma coisa" Rolando dá outra risada.
"Ah, sei. Você tem
poderes." Adamastor curva-se para a frente,
indicador direito erguido. "Eu não disse isso."
O barulho dos fogos de artifício
começa a ficar mais alto, e Suzi pede para Gérson aumentar
um pouco o volume. Rolando aproveita a pausa na conversa para começar
a contar uma história. "Vim pra cá pra esperar
a hora de esperar. Eu não tinha com quem passar o ano novo, aí
estava lá em casa sentado no meio da sala e tocou o telefone." Suzi finge um pouco de interesse.
"E aí?" "Era um cara com voz de
radialista. Assim alegre, sabe? Ele queria me avisar que ia passar na
minha casa às onze e meia em ponto, para me buscar para o festão." "Que festão é
esse? Quem é esse cara?" "Sei lá. Era engano,
eu acho." Enquanto fala, Rolando balança
a cabeça levemente, para cima, para baixo, para os lados. "Ele perguntou se eu ainda
moro perto do posto. Eu disse que moro. Eu moro. Ele me chamou de Fino.
Finícius, ficava falando." Levanta a camisa e mostra as
costelas. "É que eu sou muito
magro, olha só." Acendendo um novo cigarro no
final do outro, Adamastor sorri. "Que maravilha, tudo que
eu precisava hoje era ficar ouvindo uma história babaca de um doido
varrido." Na mesma hora Rolando se levanta.
"Eu vou esperar. Tá
quase na hora." Vai caminhando em direção
ao balcão e de repente pára. Vira-se de frente para os dois. "Que se fodam vocês.
Eu vou ali esperar." Adamastor continua rindo, enquanto
Rolando paga a conta e sai da boate. Gérson sorri para Suzi, que
pega um dos cigarros mentolados. "Cara estranho. Mas dá
pena, coitado. Parece sozinho." Adamastor coloca mais uma vez
a mão nas pernas de Suzi, desta vez na coxa. "Gente chata assim tem motivos
para ser solitária, mocinha." Ela ri. "Sabe, eu também
tenho meu jeito de ver o futuro." Ele tira a mão da coxa
de Suzi e levanta o dedo, pedindo mais uma dose. "Ah, sim. Pode me contar
como é?" Suzi morde o lábio inferior
e coloca uma das mãos na coxa de Adamastor. "Não, mas posso te
mostrar." Ele coça o queixo. "Quando?" "Tem alguma coisa pra fazer
nas próximas horas?" Ele aponta para o copo vazio.
"Beber." "Então pode vir para
minha casa." "Tem uísque lá?" Suzi move um pouco a mão
e a coloca em cima do pau de Adamastor. "Tem muito mais, querido." Ele levanta, recolhe o sobretudo
e passa o braço sobre o ombro de Suzi. "Beleza, vamos logo." Paga a conta com cartão
de crédito. Antes de sair, Suzi se despede de Gérson. "Feliz Ano Novo." /lá vem o Narrador, que nunca se agüenta: talvez alguém esteja curioso para saber o que Rolando foi fazer depois que saiu da boate. Bem, ele disse que seu plano para a noite era esperar a tal carona para uma festa. Depois que pagou a conta, caminhou três quadras até chegar a seu edifício, quase ao lado de um posto de gasolina. Já eram mais de onze horas, e o foguetório era ensurdecedor. Rolando nem se deu ao trabalho de olhar para cima. Sentado na sarjeta em frente à sua casa, apenas amaldiçoava a alegria de quem comemorava uma efeméride na data errada e tentava se concentrar em esperar o carro. Sua cabeça estava exatamente assim: "a vontade é de bater na porta de cada um dos fogueteiros e dizer o milênio só termina ano que vem ô filho da puta, mas daqui a poucos eles chegam, melhor ficar sentado na frente do prédio, bem na frente onde eles podem enxergar, eles os amigos, a festa, o carro, ele vai chegar, chegajá chegalogo chegando cheganão chegagora chegavai olha o posto alí chegaí chegassim sim sim chega isso cheeeega chega cheganunca carro aicarro ai carrochegaporfavor". E assim foi por toda a madrugada. Quando amanheceu e os primeiros bêbados voltavam para casa, entendeu que a carona não ia mesmo chegar e que dormir era uma idéia razoável. Esses amigos com voz de radialista têm péssimo senso de direção./
"Não vai nem esperar
o uísque?" "Depois. Tem tempo". Adamastor enfia a mão
no meio das pernas de Suzi. "Eu tenho pau", ela
diz, olhos fechados. Ele sorri e aumenta a pressão
das mãos no meio das pernas de Suzi. "Eu sei, mocinha. E bagos." Suzi coloca as mãos em
cima da mão de Adamastor e diz: "Falando nisso, deixa eu
te mostrar uma coisa." Ele coça o queixo. "Primeiro me chupa." Suzi levanta do sofá e
se ajoelha em frente a Adamastor, passando as mãos por suas coxas. "Claro. É assim que
funciona." Ela abre o zíper da calça
de Adamastor. Ele não usa cuecas, o pau pula para fora. Ela começa
a chupar. Ele coloca as mãos nos cabelos de Suzi. Ela chupa com
força. Seis minutos se passam. "Deixa eu tirar essa sua
calça.", ela diz. Ele não abre os olhos.
"Vai fundo." Ela começa a tirar, e
percebe que falta alguma coisa embaixo do pau. "Cadê o teu saco?
Porra, cadê teu saco?" Adamastor abre os olhos. "Pára com isso, tira
logo minha calça que eu quero te comer." Suzi levanta e dá dois
passos para trás. "Não, espera aí,
eu sabia, lá na boate eu já tinha entendido tudo, você
é um anjo, eu sabia, puta que pariu, eu chupei o pau de um anjo." Ela gesticula muito enquanto
fala. Ele espreme a boca e balança a cabeça enquanto escuta. "Mas que anjo o caralho,
mocinha, essas porras não existem. Eu só não tenho
mais minhas bolas, e não estou a fim de te explicar como foi." Suzi se encosta na parede e coloca
as mãos no rosto. "Meudeus, meudeus, um anjo,
o apocalipse, vai ser mesmo o fim do mundo, ele não tem saco, não
tem bolas, não tem porra nenhuma, não tem mais futuro para
o mundo, um anjo exterminador filho da puta, meudeus, meudeus". Adamastor abotoa as calças,
levanta do sofá e enfia a mão em um dos bolsos do sobretudo. "Ah, calaboca, chega dessa
porra de chilique. O único mundo que vai acabar hoje é o
teu, viadinho de merda." Tira uma faca do bolso e caminha
até Suzi, que continua encostada na parede, as mãos no rosto,
repetindo "meudeus, meudeus". Ele dá uma joelhada no
meio das pernas dela, que escorre aos poucos até o chão
sem tirar as costas da parede. As mãos não estão
mais no rosto, mas jogadas ao lado do corpo, braços moles. Adamastor
se abaixa, a ponta da língua encostando nos lábios, e começa
a degola. Leva o tempo necessário. Quando termina, caminha até
a mesinha do canto da sala e se serve de uísque. Volta ao sofá,
toma um gole e começa a observar as manchas deixadas pelo sangue
que jorrou da garganta de Suzi. Seus olhos passeiam com cuidado por pingos,
poças e linhas, desenho por desenho. O corpo ainda está
quente e de quando em quando surgem algumas bolhas de ar em meio ao sangue
que encharca o corte. Adamastor não se distrai: está concentrado
nas manchas. "Hmmm." /o Narrador jura que é a última vez, pelo menos por hoje: Suzi não é a única a ser dotada de conhecimentos adivinhatórios raros. Los Angeles dos Anjos, o Adamastor, é um mestre em dois deles: a hematolocaustomancia e a escrotofagomancia. Fazendo uso da primeira, observa os padrões das manchas produzidas pelo sangue de vítimas recém-sacrificadas e tem um panorama geral da situação divinatória. Em seguida, degusta seus testículos crus - a base da segunda técnica - e sua mente começa de imediato a receber detalhes sobre as mais diversas situações. São sem dúvida métodos menos sutilmente poéticos que a escrotocinetomancia, mas costumam ter a preferência dos neófitos nas artes da adivinhação. Como todo mundo sabe, pouquíssima gente perde tempo com sutilezas no mundo de hoje, e uma quantidade menor ainda de pessoas gasta seu dinheiro com livros de poesia./
"Puta que o pariu. Este
ano vai ser mesmo foda." Limpa a faca na saia de Suzi, toma o resto do uísque e vai embora do apartamento. São meia noite, cinco minutos e vinte e três segundos do dia primeiro de janeiro de dois mil. Calor. Chega de festa por hoje: o novo milênio só começa em 2001, e até o salvador do mundo precisa descansar. |
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(putaria.)