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30 de agosto de 2003
Por Cassiano Elek Machado


Joca Reiners Terron arromba as portas do nefasto "Hotel Hell"

Espécie de parque temático da podridão urbana, o Hotel Hell abre suas portas em São Paulo. Seus corredores sujos, com assassinos trafegando em cadeiras de rodas, animais-gente, loiras barbadas e um maníaco por máquinas de frango assado que ronda cada "televisão de cachorro" em busca do galináceo perfeito, recebem hóspedes a partir de hoje.

Gerente, porteiro, carregador de malas e faxineiro do estabelecimento fictício, o mato-grossense Joca Reiners Terron apresenta esse cenário nefasto em seu segundo romance, que será lançado em um bar paulistano nesta noite.

"Hotel Hell" é o nome do livro, que o escritor, editor e designer gráfico está publicando pela editora gaúcha Livros do Mal, que também festeja nesta noite o romance "Até o Dia em que o Cão Morreu", de Daniel Galera.

Aos 35 anos, dono do selo Ciências do Acidente, que já publicou 30 títulos de literatura contemporânea brasileira ("Não tem nenhum defunto lá"), Terron começou o atual projeto na internet. O hotel infernal nasceu em um blog, ainda no ar (hellhotel.blog ger.com.br), no qual ele foi hospedando ao longo do ano passado pequenas narrativas de um ambiente caótico e escatológico.

As narrativas, sempre em primeira pessoa, da galeria de personagens bizarros, acabaram saltando da rede para o livro, que reúne 60 fragmentos narrativos ilustrados com sofisticados desenhos à HQ de Félix Reiners.

Em conversa com a Folha, o escritor faz um breve tour pelo "Hotel Hell". (CASSIANO ELEK MACHADO)


Folha - Você apelidou o escritor Valêncio Xavier de "Frankenstein de Curitiba". Ele aceitou a alcunha, dizendo que "faz literatura com pedaços de coisas", como doutor Frankenstein. Você também é um "frankenstein"?

Joca Reiners Terron - Em algum sentido, sim. Meus dois livros mais recentes são muito fragmentários. Têm muito mais lacunas do que linearidade. Não são nada realista-naturalistas. Enxergo o livro como romance desmontável. São 60 fragmentos que se sustentam sozinhos. Minicontos. "Hotel Hell" é uma tentativa de traduzir por meio de mitos urbanos o absurdo de São Paulo.

Folha - Hoje quando se fala em blog e sua influência na literatura existe uma certa resistência dos escritores em admitir esse novo meio como um modificador do modo de produzir ficção. O formato blog não influencia seu trabalho?

Terron - Comecei a escrever antes de sonhar em usar computador. A resistência em admitir influência dos blogues está ligada à associação tácita entre a literatura feita nesse meio com os diários íntimos. Meu livro foi feito em blog sem ser nunca literatura de blog. Foi só uma forma de fazer literatura ao vivo, de vencer a vergonha de ter alguém em cima do meu ombro me vendo escrever.

Folha - Você esteve em duas antologias recentes, a "PS:SP" e a "Geração 90", que foram debatidas em entrevista com quatro escritores na Ilustrada no sábado. Qual sua opinião sobre essas coletâneas?

Terron - Apesar de militância ser um termo desgastado, é exatamente o que mais se adequa a tal situação, já que nenhum dos antologizadores ou antologizados ganhou um tostão para publicar. Alguns dos melhores autores surgidos agora não têm paciência de seguir os métodos tradicionais e ficar anos esperando alguém que saiba lê-los numa grande editora. Se há um mérito nessa "Geração 90", é que ela não tem o falso pudor de enfiar a mão na lama para cavar espaço. O escritor não deve ser uma dona-de-casa, presa ao jardim onde cultiva begônias.