Clipagem


A Tarde
outubro de 2002
por Rodolfo Filho


Sob a bandeira d’O Pinto

Com apenas um ano de existência, a editora gaúcha Livros do Mal (www.livrosdomal.org) vai rapidamente se estabelecendo no cenário nacional. Fruto do desejo de trabalhar exclusivamente com livros, a editora de Daniel Galera, 23, Daniel Pellizzari, 28, e Guilherme Pilla (que não fala sobre ele) deixa claro – mesmo com as poucas obras publicadas – uma visão particular da literatura brasileira. O Dez! conversou com os caras, que responderam como O Pinto, a voz oficial do grupo.

Dez! - Por que “Livros do Mal”?

O Pinto - “Livros do Mal” é tríplice: uma piada interna, uma homenagem a Baudelaire (As Flores do Mal) e um manifesto de sintonia com o nosso teórico-padrinho, o francês Georges Bataille. Ele fala sobre o Mal intrínseco à literatura, que toda verdadeira arte deve assumir. É o “mal” que traz mudança – ou seja, um “bem” que não é simplesmente “bom” (ou inofensivo).

Dez! - Como vocês escolhem os livros a serem editados?

O Pinto - É simples: basta que nós achemos que o livro é no mínimo muito bom. Isso pode ser chamado de um processo totalmente subjetivo, e de certa forma é mesmo. Mas assim como você só precisa ter visto mil quadros pra reconhecer um quadro muito bom, você só precisa ter lido mil livros pra reconhecer um livro bom. E isso a gente já fez há tempos.

Dez! - Todos os autores que vocês lançaram até agora são jovens. Coincidência ou parte do projeto?

O Pinto - Nem um, nem outro. É mais uma tendência: boa parte do que se faz de mais inventivo na literatura brasileira vem de autores mais novos, que ainda não engessaram sua ousadia e sua criatividade pela segurança dúbia de ser um “autor estabelecido”. Isso não é uma exclusividade dos jovens, mas neles é muito mais comum.

Dez! - Quais os próximos projetos da editora?

O Pinto - No final deste mês lançaremos mais três títulos (um deles do baiano Paulo Bullar). Para 2003 temos a Kombi do Mal, uma expedição chinelona que nos levará a diversas cidades do sul do país, fazendo lançamentos e eventos.


Outro Livro do Mal

Os melhores membros da “novíssima geração de escritores” – sempre entre aspas – estão publicando pela “Livros do Mal”. Ou pelo menos foi essa minha conclusão ao ler “Dentes Guardados”, do paulista – mas morando em Porto Alegre – Daniel Galera.

Os contos da coletânea – primeiro livro do autor – tratam de um universo vagamente delineado, dos dramas pessoais de jovens de idade indeterminada em cidades sem muita identidade. Através da subtração dos elementos desnecessários, as histórias de Galera mostram personagens mais profundos do que o visto em suas poucas páginas.

Mesmo lidando com eventos tristes e tendo um clima profundamente melancólico, as histórias de “Dentes Guardados” fogem de ser amargas ou lacrimosas. Há uma angústia de razão indefinível no fundo das histórias, que se contrapõe a um certo cinismo posado dos personagens – cheios de sentimentos, mas que não parecem muito contentes com isso.

Apesar de um ou dois deslizes, Galera é um autor contido, cujos contos não fazem a mínima questão de explicar como devem ser entendidos. Prova disto é o excelente “A Escrava Branca”, disponível – junto com outras histórias – no site do escritor (http://planeta.terra.com.br/arte/dentesguardados/index.html). Vai lá, enquanto seu livro não chega.