Clipagem


Estado de Minas
Sábado, 23 de agosto de 2003
Por Clara Arreguy


Mal-estar é a proposta
Romance de Joca Reiners Terron investe em temas e linguagem escatológicos e violentos para chocar o leitor

O escritor Joca Reiners Terron é também editor - sua Ciência do Acidente tem sido responsável pela revelação de uma nova safra de bons autores no cenário nacional. Mas é com outra assinatura, a dos gaúchos Livros do Mal, que ele está lançando seu novo trabalho, o romance Hotel Hell. A linha que o escritor mato-grossense (radicado em São Paulo) segue aprofunda uma tendência à crueza e à violência que parece mais propor o mal-estar ao leitor, a partir do paroxismo de situações: são personagens que, ao habitar o lado mais obscuro da existência, agem no sentido de agredir e chocar.

Estruturado como uma série de capítulos curtos em que se cruzam personagens e vozes, o romance gira em torno do lugar que lhe dá nome. Ali se encontra a ralé da bandidagem, figuras esquisitas como um homem sem pernas que se delicia em atropelar pessoas e bichos com sua cadeira de rodas; uma gangue de seqüestradores que comem a própria merda; o seguidor de uma seita que venera frangos em televisões de cachorro; trapezistas e outros "trabalhadores" de um circo.

A partir desses personagens, Joca Reiners Terron constrói uma linguagem, apesar de bem escrita e fluente, sempre agressiva. Em algumas passagens do romance, suas descrições escatológicas, sexuais e de situações violentas chegam ao insuportável, dado o tem cru e desabrido com que são tecidas.

O livro foi escrito e "publicado" inicialmente num blog e obedece a uma fragmentação típica das linguagens e gêneros contemporâneos. Às vezes o jogo de palavras substitui o nexo, o fio condutor inexiste em favor da experimentação e mesmo da brincadeira. Para isto contribuem tanto a edição em si quanto as ilustrações (de Félix Reiners), em interface com a história em quadrinho e outras manifestações visuais. A qualidade é primorosa, fazendo de Hotel Hell, em que pese o tom agressivo de sua escrita, objeto de diversão para estômagos fortes.

Joca Reiners Terron é autor também dos volumes de poemas Animal Anônimo e eletroencefalodrama e da novela Não há nada lá. Está presente na coletânea Geração 90: Os Trangressores, da Boitempo, e tem no prelo o volume de contos Curva de Rio Sujo, a sair pela Editora Planeta.