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Speculum Entrevista com o Livro do Mal Uma turma do Sul, mais especificamente de Porto Alegre, quer revolucionar a literatura brasileira. Mas nada de tomar a força. O lema é a qualidade. O Speculum.art.br foi conversar com eles para saber exatamente do que se trata. Speculum.art.br - A Livros do Mal surgiu como uma editora destinada a publicar autores que já vinham fazendo algum trabalho literário e com bom alcance de leitores, principalmente pelo COL (Cardoso OnLine - zine distribuído por e-mail). Os zines são de uma leitura descompromissada o que difere do livro. Que tipo de público-leitor a Livros do Mal pretende alcançar e o que espera do seu leitor? Mojo - Não concordo que os zines são necessariamente uma leitura descompromissada. Acho que o compromisso está no leitor, e não na mídia. Claro que cada mídia tende a direcionar um certo tipo de leitura, mas na verdade quem dá a palavra final sobre a quantidade de atenção que será dedicada é o leitor e sua preguiça ou entusiasmo. Sobre o público-alvo, não tenho uma visão definida sobre isso, e não é algo com que eu me importe. quem comprar e ler os livros é público-alvo. Tanto faz. O interessante é tornar o nosso trabalho disponível ao maior número de pessoas que nos for possível, sem pensar muito em seu perfil e coisas do tipo. O que eu espero do leitor? que ele leia os livros. Só isso. O resto foge da minha alçada. Speculum - A aceitação dos trabalhos via internet funcionava bem, e havia com um grande número de leitores. Por que não publicar os trabalhos exclusivamente na internet? Ou o livro ainda é um objetivo que permeia a cabeça de novos escritores? Mojo - Para textos hardcopy (que podem ser impressos ou lidos na tela sem prejuízo algum na fruição, ao contrário dos softcopy, feitos especialmente para um ambiente multimídia, como hipertextos que utilizam recursos de som e leitura não-linear, etc), a internet é melhor como meio de divulgação e formação de público do que como suporte. O códice ainda é o rei na literatura, por vários motivos. Tem a relação física com o livro, a coisa de folhear as páginas, sentir o cheiro do papel, a portabilidade, a sensação de intimidade com a obra, enfim, essas coisas difíceis de serem reproduzidas por pixels piscando em um monitor. Eu gosto de ler no monitor, não tenho nehum problema com isso, e gosto também da idéia de e-books. Mesmo assim, ainda prefiro livros tradicionais. Speculum - Percebe-se a intenção de publicar novos autores, de abrir caminhos para alguns que estão começando pelas veredas literárias. A saída para esta nova geração, se é que se pode dizer assim, é a formação de coopertaivas na qual todos se ajudam e publicam, além de utilizar-se de recursos legais para conseguir chegar a publicação do seu trabalho? Mojo - No caso específico da livros do mal, o engraçado é que não podemos dizer que criamos a cooperativa porque as editoras grandes não nos aceitavam. Em primeiro lugar, nunca mandamos originais para nenhuma delas, e inclusive já tínhamos sido sondados por algumas. Foi mais a vontade de fazer um trabalho totalmente autoral. Uma mistura de idealismo com obsessão por controle, mesmo. Temos toda uma proposta estética na livros do mal, coisa que não encontramos em nenhuma editora do país, com a exceção honrosa da ciência do acidente, de são paulo, que considero uma espécie de irmã mais velha. Não que o trabalho dessas editoras me desagrade por completo, mas pelo menos para começar eu queria que fosse tudo em família. Como perder a virgindade na cama dos pais. Falando genericamente, sem dúvida a iniciativa independente é um caminho importante para os novos autores, e nem sempre precisa contar com apoio do poder público. A prefeitura de Porto Alegre foi importante no lançamento da nossa editora, mas a Livros do Mal existiria com ou sem Fumproarte, porque estávamos dispostos a isso e nos organizamos para que as coisas se materializassem. O apoio do poder público e de entidades privadas é sempre bem-vindo, desde que não contrarie interesses ou princípios da editora/cooperativa/seja lá que nome as pessoas inventem para o que querem fazer. O importante, a meu ver, é não ter pressa. É esperar um nível mínimo de maturação do trabalho, e então partir pro abraço de maneira consciente, com um plano esquematizado. O que não pode é ficar eternamente naquele esquema de reclamar ninguém me ama, ninguém me publica, não me dão espaço. Esse tipo de postura em novos autores é lamentável, um chororô que indica total falta de dignidade artística e existencial. Não tem espaço? vai lá e cava, colega. Vai na praça e mostra teu trabalho. Espera um tempo. Trabalha nisso. Um dia engrena. Speculum - Já existe outro projeto de publicação em andamento? Mojo - Sim, temos um título já confirmado para o ano que vem, mas não posso comentar muito sobre ele a pedido do autor. Alguns escritores, conhecidos, nem tanto e totalmente desconhecidos já entraram em contato com a gente, mas só vamos poder fuçar em originais a partir do ano que vem, quando pretendemos lançar uns quatro ou seis títulos. Speculum - Teu livro é uma coletânea de contos. Estes contos foram escritos em momentos diferentes da tua vida, ou escreveu especialmente pro livro? Sendo uma seleta, que critério utilizastes para selecioná-los? Mojo - São contos escritos entre 1996 e 2001. Cinco anos com trolhocentos momentos bem diversos entre si, mas que de certa forma mantém alguns posicionamentos básicos. Não sei se isso é bom ou ruim, é só algo que percebi agora pensando sobre a tua pergunta. Pra selecionar eu fui na intuição, mesmo. Quero esse, esse é legal, esse aqui, hmm, talvez. Nesse esquema. Pensei em manter uma unidade temática e "climática", com poucas quebras, apesar de variar muito na forma. Foi mais ou menos por aí. Já tenho outro livro de contos quase na metade, com um clima e uma proposta um pouco diferentes. Speculum - Durante a leitura percebi que a solidão e, por vezes, o universo da criança, são temas recorrentes... existe alguma motivo para escrever sobre tais temas? Mojo - Uma coisa que eu percebo desde pequeno é que, principalmente no meio urbano ocidental(izado), as pessoas tendem a ser extremamente solitárias, mesmo aquelas que estão sempre com um grupo ao seu redor, que parece uma tentativa de ganhar materialidade. Isso me parece fruto de graves problemas de comunicação, de muralhas entre as pessoas causadas por trolhocentas coisas que eu tento expressar em vários de meus contos. Dizem que todo autor tem um tema recorrente que trabalha de mil maneiras, e se isso for verdade esse deve ser o meu. Sobre o universo infantil, nunca tinha percebido que ele aparece com certa freqüência, mas é verdade. Talvez a explicação esteja no fato de eu ter começado este parágrafo com "uma coisa que eu percebo desde pequeno". Speculum - Qual foi o melhor conto que você não escreveu? E o melhor livro que você não leu? Mojo - O melhor conto que eu não escrevi tem dez linhas e foi minha despedida da literatura como tentativa de me comunicar com o mundo. Depois que o publiquei fui viver até a morte em uma caverna no nepal, e de vez em quando olho para meu único pertence (uma foto do escritor russo Daniil Kharms) e penso "te peguei, hein?" com a réstia de auto-consciência que me sobra. O melhor livro que eu não li talvez exista e se chame 'lanark', de Alasdair Gray. Mas ele também pode ser uma merda, então prefiro pular esta pergunta ao invés de começar outra divagação. Speculum - Como vêem a atual literatura brasileira? Há algum autor que mereça reconhecimento? Mojo - O renascimento do conto é algo que me entusiasma até por egoísmo, já que é minha forma narrativa preferida tanto como autor quanto como leitor. Pelo que percebo e leio, a literatura brasileira está em uma curva ascendente de qualidade que vai explodir mais ou menos na metade ou final desta década. Se vai ter muitos leitores eu não sei, mas que autores de qualidade vão estar em todos os cantos eu não tenho dúvidas.
Autores contemporâneos que mereçam reconhecimento? dá pra começar pelo Nelson de Oliveira, que já cometeu diversas pequenas obras-primas do conto. Tem o Valêncio Xavier, que nos últimos anos ganhou um pouco mais de mídia mas ainda não é saudado como deveria. Tem a Hilda Hilst, a quem só estão dando atenção agora, no fim da vida. Existem grandes autores que já morreram e quase ninguém leu ou ao menos sabe que existiram, como o Campos de Carvalho. Tem gente como o Marcelo Benvenutti se destacando entre o monte de porqueiras que tentam se vender como literatura na internet. Autores bons não faltam neste país. Talvez o que falte sejam leitores à altura.
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