Clipagem
Jornal Zero Hora
Suja, violenta e caótica, São
Paulo não é uma metrópole para
nervos sensíveis.
Alegoria de São Paulo em toda
a sua demência, o livro Hotel
Hell, de Joca Reiners Terron,
lançamento da editora
Livros do Mal, não é para
paladares delicados –
e nisso reside sua principal
virtude.
Dividido em três
grandes seções,
reunião de textos
publicados na Internet,
Hotel Hell (120 páginas,
R$ 20) é uma colagem de
pequenos capítulos – quase microcontos
– em que personagens e
narradores recorrentes traçam um
mosaico delirante e absurdo tendo
São Paulo como cenário.
Mas não qualquer São Paulo.
Uma São Paulo em que um assassino
em cadeira de rodas persegue
motoristas e laça motoqueiros. Em
que um macaco de smoking se
apaixona pela filha de um trapezista.
Uma cidade em que poetas
seqüestradores andam nus e enviam
partes decepadas de suas vítimas
aos familiares. Uma metrópole
em que uma gangue de rua
come um fungo que dota as fezes
de propriedades alucinógenas.
O texto de Joca é espasmódico.
Cada pequeno capítulo é contado
pelo ponto de vista de um personagem
diferente: o homem na cadeira
de rodas, o poeta nu ou um
mendigo chamado Tevê de Cachorro,
que houve a voz de Deus
vinda de frangos assados. A cada
intervenção desses personagens,
mais uma peça é somada à
colcha de retalhos que
compõe o universo de Hotel
Hell. As ilustrações de
Felix Reiners, irmão do
autor, oferecem vinhetas
de passagens desenhadas
como uma caótica história
em quadrinhos – traço forte,
caricato, eficiente jogo
de claro-escuro.
O livro é desbragadamente absurdo
– um absurdo construído na
trama, porque a linguagem de Terron
é límpida, com diálogos cortantes.
Nascido em Cuiabá e autor
de outra novela, Não Há Nada Lá,
de 2001, Terron já lançou dois livros
de poesia, o que transparece
na exatidão do léxico. Um senso
de humor enviesado e cruel também
é característico, dando origem
a passagens como esta:
“Amor de mulher se mede pela
idade dos cravos no narigão do
amado. Amor? Horror, horror.
Amado? Pois sim.”
Como São Paulo, Hotel Hell é
uma cacofonia plena de violência
– e fascina pelo desafio de compreender
o caos.
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Todos as ilustrações © Copyright 2001-2003 Guilherme Pilla de Araújo. Porto Alegre, RS, Brasil. |