Clipagem


Jornal Zero Hora
20 de agosto de 2003
Por CARLOS ANDRÉ MOREIRA


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Suja, violenta e caótica, São Paulo não é uma metrópole para nervos sensíveis. Alegoria de São Paulo em toda a sua demência, o livro Hotel Hell, de Joca Reiners Terron, lançamento da editora Livros do Mal, não é para paladares delicados – e nisso reside sua principal virtude. Dividido em três grandes seções, reunião de textos publicados na Internet, Hotel Hell (120 páginas, R$ 20) é uma colagem de pequenos capítulos – quase microcontos – em que personagens e narradores recorrentes traçam um mosaico delirante e absurdo tendo São Paulo como cenário. Mas não qualquer São Paulo. Uma São Paulo em que um assassino em cadeira de rodas persegue motoristas e laça motoqueiros. Em que um macaco de smoking se apaixona pela filha de um trapezista. Uma cidade em que poetas seqüestradores andam nus e enviam partes decepadas de suas vítimas aos familiares. Uma metrópole em que uma gangue de rua come um fungo que dota as fezes de propriedades alucinógenas. O texto de Joca é espasmódico. Cada pequeno capítulo é contado pelo ponto de vista de um personagem diferente: o homem na cadeira de rodas, o poeta nu ou um mendigo chamado Tevê de Cachorro, que houve a voz de Deus vinda de frangos assados. A cada intervenção desses personagens, mais uma peça é somada à colcha de retalhos que compõe o universo de Hotel Hell. As ilustrações de Felix Reiners, irmão do autor, oferecem vinhetas de passagens desenhadas como uma caótica história em quadrinhos – traço forte, caricato, eficiente jogo de claro-escuro. O livro é desbragadamente absurdo – um absurdo construído na trama, porque a linguagem de Terron é límpida, com diálogos cortantes. Nascido em Cuiabá e autor de outra novela, Não Há Nada Lá, de 2001, Terron já lançou dois livros de poesia, o que transparece na exatidão do léxico. Um senso de humor enviesado e cruel também é característico, dando origem a passagens como esta: “Amor de mulher se mede pela idade dos cravos no narigão do amado. Amor? Horror, horror. Amado? Pois sim.” Como São Paulo, Hotel Hell é uma cacofonia plena de violência – e fascina pelo desafio de compreender o caos.