Húmus

Capa
Húmus


Autor Paulo Bullar
Ilustrações Guilherme Pilla
Gênero Contos
Coleção Contra a capa
Ano 2002
Especificações 104p. ; 12x18cm
Preço R$ 15,00 (como comprar)
Sobre o autor Paulo Bullar tem 22 anos, mora em Salvador e é colaborador do mail-zine K.



Trecho do livro
"(...) Quando acordei estava escuro, a leoa ao meu lado. Tonto, mal enxergava; esperei, deitado, que minha pupila focalizasse melhor os arredores de meu novo habitat. Devido à falta de luz, não pude enxergar muita coisa, mas, aos poucos, pude perceber um vulto em frente à jaula, um vulto humano; uma mulher, pra ser mais preciso. Seus olhos me fitavam, dominadores. Se aproximou; percebi que usava o uniforme dos veterinários, azul-turquesa, só que o seu era devidamente decotado, os seios saltando. Sem medo, colocou a mão por entre as grades e alisou minha juba. Uma sensação de gozo invadiu meu corpo bestial, relaxando meus músculos, me deixando mais leve que o ar. A maldita leoa se aproximou, feroz, enciumada; dei-lhe uma patada na fuça, tão brutal que quase a derrubou. Se afastou e foi se enfiar no canto, humilhada. A veterinária continuou ao meu lado, indiferente à leoa. Meu corpo mole, meus músculos relaxados, nuvens de neblina invadindo minha visão: musgo, musgo. Um som suave e ritmado. Novamente, dormi.

Acordei com fome, alguns quilos de carne me esperavam. Primeiro, comi a carne, depois, a leoa. Passei o dia deitado, na modorra, descansando da foda de merda com aquela leoa decadente. Fiquei observando aquela criatura encolhida, mordendo as feridas das patas. Louca. No fim da tarde, a veterinária veio com um funcionário me trazer mais carne. Me olhou nos olhos, sorriu; um sorriso malicioso, de cumplicidade. Comi, dormi de novo. Vida de zoológico é um saco; te colocam numa cela com uma leoa velha, sem espaço pra correr, sem relva úmida pra se esfregar, sem um local decente pra cagar. E todos os dias aquela mesma rotina: comer a carne, comer a leoa velha, cagar, dormir; um eterno ciclo de merda, uma rotina de acabar com a fúria de qualquer fera. Não fosse a veterinária decotada, eu já teria enlouquecido. Ela vinha todas as noites, cuidava de mim, passava pasta d’água em minhas assaduras e, agora, me masturbava."



O que foi dito
"E não é difícil "gostar" ou, ao menos, sentir qualquer coisa -surpresa, pânico, nojo, prazer?- pela literatura de Bullar. Sua narrativa, segundo escreve, movida a "tabaco com ácido onírico e pó-de-estrela" guia os olhos do leitor por uma viagem ora banal e bucólica, ora fantástica pelo mundo animal. É como assistir ao Discovery Channel. Dirigido pelo David Cronenberg. Falando baixinho, fascinado, evitando interferir na paisagem, Bullar elege e psicologiza os animais, "nervosos" (macacos), "problemáticos e psicóticos" (ratos), "demoníacos" (cágados) ou de "importância puramente estética" (zebras, girafas e elefantes). À maneira de Jorge Luis Borges, com seu "Livro dos Seres Imaginários", Bullar promove um exercício de catalogação subjetiva. Se fosse um documentário, diríamos que o calor insuportável dos trópicos é que estaria embaçando as lentes da câmera. Mas, se por um lado dá-se uma personificação dos animais selvagens, por outro, o autor parece não fazer distinção entre os primeiros e os chamados animais racionais, os seres humanos. "Cíntia", a vaca leiteira, "primeiro mamífero a morrer de uma overdose de erva", parece tão humana quanto o seu proprietário, um agricultor que resolve plantar maconha para sobreviver. Há ainda a mulher, "abominável humana", como classifica Bullar, que, grávida, bota um ovo de lagarta; ou mesmo a veterinária do zoológico, que morre de amores pelo leão recém-chegado, e vice-versa." (Diego Assis, Folha de SP)

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"Um dos artifícios da fábula é usar animais como metáforas dos homens. Os bichos agem e falam como gente para transmitir uma moral. Nos pequenos contos de Paulo Bullar reunidos em Húmus, muitas vezes os personagens são animais. Mas, ao contrário da fábula tradicional, são os homens que saem animalizados. Húmus não propõe nenhuma moral além de um humor auto-irônico (que aparece nas melhores partes do livro) e de uma raiva contra tudo o que parece adaptado e demasiado humano. Aqui os animais são seres imaginários que vivem na cabeça do autor. Como os pássaros que ele leva consigo e que solta contra os "corpos dóceis e produtivos", que seguem como vacas nos engarrafamentos em que, por acaso, Bullar também está." (Bernardo Carvalho, Revista Trip)

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"São textos vagarosos e curtos, cujo ponto positivo é causar certa estranheza e lançar um olhar diferenciado sobre a natureza humana." (Alessandro Garcia, Digestivo Cultural)

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"Entre um moralismo que resguarda uma culpa coletiva da nossa condição e uma desordem anarquista dos instintos do homem, Bullar parece ficar com a segunda." (Rodrigo Moreno, Ócio do Caramujo)