(putaria.) |
#4
; edição calhorda
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oráculo subjetivo |
fernando almeida
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nunca enxergue além da ponta do seu nariz, ela me dizia, com aquele ar de quem já experimentou tudo na vida e se arrependeu formalmente, sem deixar qualquer impressão de ter construído algo. O rosto cansado, as olheiras pesadas de Valerie denotavam algo que não era canseira e pesar, mas um medo estranho, um outro tipo de medo, não esse que você poderia pensar... era temor de que uma pessoa qualquer chegasse e falasse e ai, vamos saindo desse lugar porque a farsa acabou, devolve este rosto e estas roupas, agora é a vez da próxima. Talvez porque nunca conseguira um lugar em lugar algum. Talvez por isso ela jogava bilhar tão bem, tão lógico, querendo acabar logo para retornar ao seu conjunto vazio, silenciar e observar-nos... Ela me observa. Não me lembro quando ela se tornou nossa amiga, faz muito tempo eu acho... - ah, lembro-me sim, fui eu que a conheci até, durante a exposição do Monet no MASP, ela acompanhava um grupo de estudantes, provavelmente do primeiro grau, e falava dos quadros para eles. Explicava-os. Explicava quadros de Monet, era isso. Mas é estranho, não consigo imaginar esta garota de traços cubistas comentando Monet, ela, com sua beleza estranha, com seu corpo matemático, fumando agora um Gitanes e roendo as unhas. Resolvi perguntar-lhe então sobre o problema da visão de Monet, uma perguntinha de história e não de arte porque tenho pavor aos críticos (os mais de modè dentre todos os pseudo-intelectuais) e eu não me sentiria bem escutando teorias absurdas sobre arte que afundariam A canoa sobre o Epte, pobre Monet! Pobres senhorinhas de branco passeando na canoa! Ela me respondeu, e depois de conversas sobre remédios para dor de cabeça e sobre qual a melhor maneira de organizar as janelinhas do IRC, saímos para um café e cigarros e encontramos Hector e o resto do pessoal tocando o jazz experimentalíssimo Coltrânico aqui no Oráculo Subjetivo (nominho de bar ridículo, mas que fazia o maior sucesso entre a rapeize) e foi assim sucedeu o encontro surreal com a garota cubista dos Gitanes, Valerie, e depois não lembro mais, devo estar ficando bêbado, é melhor tomar um gin tônico e acalmar um pouco - mas quem é ela para dizer até onde deve ser o horizonte do meu olhar? Mas que jogo imbecil, não aguento mais! Fiquem com as minhas malditas fichas que eu vou lá fora tomar um ar, ou melhor, cheirar aquela merda de poluição. O problema do Oráculo é justamente a ventilação, a absoluta falta de. Melhor dizendo, o problema dessa cidade , deste país, dessa merda de mundo claustrofóbico é o fato de deixarem as janelas sempre fechadas, e eu estou sempre morrendo de calor... ar condicionado é realmente a mais notável invenção do diabo. E quer saber, que se danem! Vou pegar as merdas dos meus textos e sumir pra outro canto, escrever sozinho, esquecer esses adolescentes de vinte e cinco anos, deixá-los jogando bilhar pro resto da vida enquanto eu tomo a cicuta pra-você-não-faz-sentido-mas-pra-mim-faz das minhas palavras. Nunca mais escrevo poesia pra ninguém. Mais uma vez aqui estou com esses meninos jogando bilhar no mesmo Oráculo de sempre. É monótono quando não tem jam session, sou obrigada a massacrá-los nesse joguinho mascarado de óbvio que parece a minha vida, mas é bom estar com eles de qualquer forma, são pessoas adornadas de decadências para se contemplar, e por falar em música eu precisava falar com o... droga ele se foi..., provavelmente deve estar surtando por ai ou tentando auto-promover um interlúdio com alguma garota medíocre ou colocando a culpa na existência por escrever tão mal..., as mesmas idéias de todos os ataques esquizofrênicos de sempre, quanta pontualidade com os próprios infortúnios! Mas, caralho!, a culpa é toda sua, quem mandou apaixonar-se por tal menininho que ainda não aprendeu quando se deve parar de brincar de Baudelaire? - Mas e quanto a você que sequer consegue dizer-lhe o quanto o espera desde o dia na exposição do Monet, enquanto todos se amontoavam diante dos quadros ele desenhava caricaturas dos vigias e entregava-lhes dizendo que o desenho caíra de algum lugar, desenhava as pontes, as vitórias-régias e tudo mais. Mas que garoto divertidamente idiota! Maravilhosamente imbecil... sobretudo quando está tocando contrabaixo, qualquer dia aquele instrumento cai em cima dele e mata-o, tão baixinho, coitado... um Amorzinho mesmo, preciso falar com ele... preciso dizer-lhe o quanto eu tenho medo de me jogar no rio e salvá-lo, porque a água está fria... e porque tenho medo de cair até desse lugar baixinho onde estou... (ok Camus, não vou incomodá-lo mais). É a mais gritante dentre as mentiras que escolhi para guiar-me, preciso acreditar ao menos nessa... ou então passarei o tempo que me resta comentando quadros que são outras vidas e que não tem nada a ver com o contexto, estarei sempre aquém das cores e formas, inexistentes no meu olhar, deserto em preto e branco, silêncio a um prelúdio inacabado, abismo abismo abismo que sou. Melhor ir lá fora procurá-lo, ei Hector pode ficar com as minhas fichas, estou um pouco indisposta, tomarei um café e talvez depois eu vá pra casa não sei me liga tchau. Pois é meu caro Hector, agora somos só nós dois... será que não poderias ir até o bar pegar umas geladas enquanto preparo a mesa para um joguinho amigável? Creio que Valerie já nos humilhou o bastante por hoje, então pensei em fazer um campeonato loser contigo, ou os mais fracos perderão ou qualquer outro título para o nosso jogo desde que reflita de alguma forma a nossa ausência de auto estima tipo azar no jogo azar no amor. Aproveita e fale ao barman para autovolumar um pouco o som, está tocando aquela música do Bauhaus, como é mesmo o nome..., aquela que você tentou tocar uma vez na festa de formatura da escola e todos riram por causa da sua voz, que estava igualzinha (aqueles imbecis jamais devem ter ouvido falar de Bauhaus) "... im dead im dead im dead... ", é, essa mesma, mas o nome da música me foge, e você certamente não quer lembrar não é? oh perdoe-me Julio, vá escoltar as gelosas que eu fico aqui marcando território... que deveras lamentável... meu amigo... - Já sei, joguemos o bilhar das nossas desventuras com todas as bolas brancas já-que-não-temos-cores e nenhuma caçapa para acertar já-que-somos-nihil. Mas que merda, estou me sentindo como o juiz-penitente falando no imperfeito do subjuntivo, tão miserável quanto.... - maldito Camus que incomoda todo mundo! Enfim, vamos esquecê-lo e desfrutar uma partidinha deste jogo que já está começando a me entediar também. O que? Não quer jogar mais? Com mil ascensores para o cadafalso!, devemos estar febris hoje ou finalmente estamos sentindo o peso desta atmosfera claustrofóbica em nossas costas. Só que eu não quero aqui ficar com os cotovelos envelhecendo naquele balcão escutando o espetáculo verborrágico que os "embreagados" de plantão esperam nos proporcionar. Não senhor, juro pela santíssima Trindade e Tobago que estou a me recolher, obrigado pelo jogo não obrigado e deixe-me transferir este fardo atmosférico das minhas costas para você, vele por nossos espectros fim-de-noite que aqui fenecem e não beba menos que o necessário. Ivrogne et dévouement! Como sempre, é a minha deixa para chorar no final e recolher os cacos dessa coisa que chamamos vida normal mais-uma-noite. Normal, se nunca estamos presentes nas entrelinhas dos nossos atos mas sempre em qualquer outro lugar? Retirem o que eu disse ou sofrerei as consequências, vou tomar mais um whisky e enterrar os cotovelos naquele balcão funesto, todos angustiados, ou provavelmente é a minha visão auto-depreciativa distorcendo tudo como sempre, mas que exercício masoquista! Vamos corromper a verdade em troca de dores na coluna escrevendo poemas rejeitados ou luzes acesas durante a madrugada procurando onde será que ela deixou de ofuscar-me neste espaço sagrado, neste templo de silêncio e cumplicidade, deve ter deixado a porta aberta pois está frio nas mãos e no pescoço, sempre esquecem a porra da porta aberta mas nunca voltam a passar por ela, apenas o frio denuncia que ali estavas. - Vamos os cacos então! - Outro whisky! - Outras mãos amputadas! - Outros dias para humilhar-se diante da vida e pedir-lhe desculpas foi mal eu não sabia que era pra valer, posso tentar de novo, não não pode é só uma vez porque se não for assim você não terá o que pensar quando acordar suado numa madrugada qualquer com aquele mesmo pesadelo interrogando o por que disso tudo. - Mais cacos! Sou o Pequeno Príncipe contando os últimos cigarros e apanhando estrelas (de)cadentes para explorar novos mundos, e no entanto deparo-me com a mesma merda de sempre porque sou o mesmo eu eu eu eeeuuuuuu de sempre. Ei garçom, quanto valem essas fichas? |
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(putaria.)