(putaria.)
#4 ; edição calhorda

 

pôquer

fred messias

>>@&*#$&#*$&@<<

aguardo em silêncio
o fim de teu jogo.

disse-me ela assim, como quem espera recompensa por virtudes duvidosas. um homem como eu. mais recompensas. é o fim. ontem mesmo atestava sua incompetência em prever ingerências administrativas, em perceber, quando perde, que o final é desenhado a partir do início. todas as pequenas revoluções interiores geram mártires, mas nem todas são movidas a partir de ideais. mas ela não entendia nada mesmo. talvez entendesse, apenas não acreditasse. afinal, ninguém acredita em jogadores. mas o que era realmente difícil de acreditar, agora ela expunha de uma maneira magistral: suas coxas. aliás, todo o seu corpo era maravilhoso quando começou a trabalhar para mim. delicados músculos insinuados, micropelinhos levemente dourados e um diminuto pezinho minuciosamente cuidado. foi ótimo ensinar-lhe pôquer, ao menos ela aprendeu a blefar. e eu sabia que essa arma se voltaria contra mim algum dia. tinha essa certeza clara em minha mente. clara como breu. mas mulheres tão lindas me perturbam. e patricia está especialmente linda hoje.

as cartadas que mais importam
são aquelas que subentendidas prescindem de acontecer.

eu lhe explicava estratégias aprendidas ao longo dos anos e outras tantas inventadas na hora. e devo salientar que as que mais surtiam o efeito desejado eram as espontâneas que, intrincadas, eram recheadas de expressões pomposas e de conteúdo raso e discutível. ela aprendia rápido as regras, a estratégia eram outros quinhentos. mas, enfim. todos os colegas de trabalho a cercavam sempre que possível para, inebriados por sua douçura catalisadora, entrar em catarse coletiva ao, aproveitando-se do decote malicioso, vislumbrarem seus seios. e que seios. ao menos ela aprendeu a tirar proveito disso. infelizmente eu era a bola da vez. era sobre mim que o ciúme pairava tacitamente. nunca uma eternidade durou tanto. até levá-la para cama, mais precisamente, foram doze dias, uma barata echarpe francesa, um pequeno vaso com tulipas holandesas, uma garrafa e meia de vinho chileno e apenas alguns minutos de preliminares. quase duas horas de sexo, mais precisamente. o pôquer só veio depois.

teu blefe, amador demais,
não esconde de mim o que querem tuas pupilas.

com o tempo ela aprendeu a blefar. aprendeu também a exercer seu poder agregador sobre mim. eu deixei. virei gado em sua mão. marcado, mas feliz. eu já não me preocupava com o personal trainer de minha mulher há anos. ela nunca se preocupou com minhas jovens secretárias. nunca nos amamos. talvez ela tenha me amado, um pouco, a maneira especial que eu tinha de expressar o tesão que eu sentia pela sua beleza, pela sua classe e educação, pela sua frieza em não exaltar nenhum defeito meu em público e pelo seu calor no quarto. ou talvez não, afinal ela sempre foi inteligente demais para acreditar em jogadores. minha mulher teve a existência que lhe foi atribuída. não amava meu dinheiro. sempre o teve. eu amo meu dinheiro, passei por cima de muita gente para consegui-lo. conseguir associar-me ao sogrão foi minha maior cartada. ou a mais bem sucedida.

as melhores cartadas nem sempre definem quem ganha,
mas sempre mostram o rumo que tomará a partida.

quando aprendeu estratégia, patricia esqueceu do trabalho. descobriu o que queria de mim. poderia ser filha de minha mulher. seus objetivos eram parecidos. não sei se fui eu que as moldei assim, se foi o destino que às gargalhadas postou-as no meu happy hour ou se acabei por escolhê-las exatamente por esses motivos que tanto me atormentavam. tanto por bem como por mau. as duas lado a lado deixaram meus companheiros de chopp engasgados. eu sempre tive sangue-frio para essas horas. mas depois que elas saíram do bar uma ao lado da outra, exercitando sua intuição de então-é-essa-a-piranha-hein?! somente depois disso, que fui ao banheiro recobrar o fôlego. na volta paguei uma rodada para todos. sempre quis fazer isso. vi em filmes e nunca tive uma ocasião. e eu sabia que todos me admiravam cada vez mais. eu podia sentir isso. minha mulher vocês já sabem como é. patrícia então, nem queiram saber.

cada blefe encaminha o jogo
e se for bem feito, encaminha a nosso favor
.

quando patricia ficou grávida, eu achei que era blefe. quando vi que era verdade, fiquei orgulhoso com o primeiro filho. minha mulher tem reservas quanto à crianças. antes dos 36 nem pensar, diz ela. faltavam dois anos para sua meta de virginiana convicta. eu com mais de quarenta fiquei feliz ao ver patricia barriguda. mais feliz ainda em decorar todo o apartamento que tinha lhes dado. cuidado especial nos quartos. motivos óbvios. fiquei extremamente zeloso por eles. mas não acreditei quando senti o cutuco de minha pistola na minha nuca. não. ela queria casar comigo. não. isso iria dilapidar todo meu patrimônio. uma separação seria terrível. eu perderia meu maior avalista e colaborador, meu sogro. era ele quem sustentava minha imperícia como administrador. eu minimizava sua preguiça mental em ousar e inflava seu ego com projetos que atraiam os refletores. meu patrimônio cresceu na mesma escala que o prestígio dele. que não amasse sua filha, isso não lhe interessava. amigos, amigos, negócios à parte. mas patricia não entendia e sua teimosia crescia geometricamente como era de se esperar de uma escorpionina que sofria de depressão pós-parto. não, ela não entendia. e além do mais não poderia perder tempo naquela situação, pois havia marcado um jantar regado a champanhe francesa com a nova secretária. não faria diferença nenhuma para ela, se a champanhe fosse nacional, ou até se fosse sidra, mas a superioridade que eu alcançava ao explicar a composição de aromas, encurtava o caminho até o quarto. patricia gritava e chorava. e eu lhe explicava que aquele apartamento estava mais que bom. cheguei a lhe prometer umas férias no caribe. sempre consegui manter o sangue-frio nessas horas. daí, ela engatilha a arma. dá dois passos para trás, aumentando nossa distância para mais ou menos três ou quatro metros. mas um jogador de pôquer que se preze não perde a calma. além do mais a algazarra acordou a criança. ponto para mim. a situação começa a se reverter. e acho até que nem vou mais perder o jantar. o choro ao fundo cria o clima certo. me dê um abraço, nós nos amamos. ela começa a chorar e me abraça, dizendo que me ama muito, mas que eu a faço sofrer muito também. já começo a achar que vou perder o jantar. ou adiá-lo se a nova secretária não for muito geniosa. vou ligar ao maitre e providenciar uma maneira de levá-la para casa. patricia chorando no meu ombro me dá a certeza de que sou um bom jogador. daí ela se afasta um pouco e me sorri docemente, como se quisesse dizer você me faz sentir mal mas eu te amo mesmo assim. daí ela puxa o gatilho e eu penso em várias coisas antes de espatifar a mesinha de vidro no chão da sala. o resultado do futebol, o dia em que conheci o pai de minha mulher e decidi casar, as secretárias que levei para cama, meu filho, o pôquer, meu haras...sinto o tiro e com o corpo todo anestesiado vejo patricia derramar lágrimas sobre mim.

um bom jogador nunca perde,
no máximo adia suas vitórias

o corpo dela pesa sobre o meu. não sinto dor, tenho frio e percebo os seus soluços de arrependimento. a porta é arrombada e quem entra confirma minhas suspeitas. estou morto. ela me matou e nem foi presa. claro, aprendeu a blefar comigo. quem deixaria de acreditar em uma mulher tão bonita chorando. seu corpo todo exalava um perfume que envolveria até o mais morto dos jogadores. rerere, humor negro.

epílogo

a partir de uma vontade da minha mulher, ou devo dizer ex-mulher, patricia ganhou uma pequena quantia daquilo que teria direito tendo um filho meu. pequena para mim, para ela inimaginável. foi muito mais do que eu lhe daria, com certeza. mas muito menos que eu conseguiria se tomasse a frente dessa negociação, mas como todos sabem, estava impossibilitado. mas minha mulher, ou devo dizer ex-mulher, estava feliz com a possibilidade de ter crianças em casa, afinal já estava quase na hora de por em prática sua meta de virginiana convicta. e você sabe, mães são como formigas se você vê uma, é certo que logo aparecerão outras tantas. as semanas seguintes ao meu enterro foram de modorra e crianças naquela casa branca. a modorra persistiria por anos, segundo o que sei, mas as crianças desapareceram logo que patricia partiu.

sabe, devo confessar uma coisa, eu que nunca fui muito dado a essas coisas emotivas, até estava achando divertido apreciar toda aquela movimentação. infelizmente tive que deixá-los em paz. mas enfim, se eu lhe dissesse que a vida de um morto é tão atribulada aqui no caribe que quase nem dá prá jogar pôquer, você nem iria acreditar. afinal, quem acreditaria em um jogador. eu não.

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(putaria.)