(putaria.)
#5 ; edição cajadada

 

vida de verdade
(vem depois)

rafael morado

este conto é parte integrante dos mythos de keen-deem,
iniciados em quatro gargantas cortadas, de daniel pellizzari

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Indo em direção o carro, discretamente ela apalpa sua bolsa para conferir a pequena caixa de papelão que guardava o precioso objeto.

***

- Agora vou te contar uma coisa.

- ...

- Eu pensei com calma e; eu acho que a gente devia levar nosso relacionamento mais seriamente.

- Como assim, meu amor? - [A gente já trepou o que é mais sério que isso?]

- Hoje passei em frente uma loja, voltando para casa... Vi isso e achei que... Talvez fosse a hora. - tira um quindim de dentro da bolsa. Ele olha chocado. Seus olhos brilham e a boca fica aberta meio morta. Seus olhos se erguem e olham dentro dos olhos dela.

- Mas.. não precisava.. eu nunca..

- Eu que quis. Acho que já está na hora. Afinal, não vai aparecer nada melhor e não estamos ficando mais jovens, sabe? - ela estica o quindim para ele que o pega com todo o cuidado e fica olhando. O cheiro do doce invade o carro enquanto ele fecha as janelas.

- E aí? Não vai comer? - ele olha assustado: - Calma. Me deixa aproveitar o momento. - lentamente afasta o papel que fica por baixo e dá uma mordida. Ele só sente o gosto do arsênico na terceira dentada, mas aí já é tarde demais.

***

Marculino Vieira entrou no posto de gasolina e colocou dez reais para poder rodar sem a ansiedade da luz da reserva. A chatice do rádio não incomodava pois se distraia com os detalhes da menina que iria encontrar em breve. Estava adiantado, como sempre e foi calibrar os pneus para passar os quinze minutos e não parecer ansioso demais. Na verdade estava tremendo um pouco e com uma ligeira falta de ar.

"Marquinhos, marquinhos, marquinhos" - repetia para si mesma enquanto esperava sentada observando a fumaça do café. Sem açúcar, sem adoçante. Obrigada. Olhou o relógio e ele ia começar a se atrasar quando senta na sua frente.

- Demorei?

Pegou gentilmente na sua mão e sorriu para mostrar que não havia problemas, que estaria ali sempre, que nada poderia separá-los e que qualquer atraso ela saberia que não era intencional, que achava ele ótimo e estava ali, à sua disposição. Ele entendeu o olhar de sua forma, um pouco mais vulgar mas igualmente satisfatória, traduzindo para uma linguagem um pouco mais objetiva [estudou engenharia na faculdade] e ficou feliz por aquele momento de compreensão sem palavras mas que na verdade era completamente diferente para cada um dos dois. Pediu um chope.

***

O caso do quindim deixou sua marca nas páginas policiais, e nos trezentos ou quatrocentos desajustados que devoravam cada linha, ansiosos por saber mais da megera que assassinava seus namorados com o doce. Nenhuma família chegava a conhecer a viúva negra. Parecia sempre escolher rapazes tímidos, conhecendo-os na rua ou em algum outro lugar onde não poderiam rastreá-la. Era uma profissional mas seus motivos eram obscuros demais e seus métodos surrealistas demais para que ganhasse a capa dos semanários como outros assassinos seriais. O número de vítimas aumentava e doze meses depois da primeira vítima já somavam oito assassinatos semelhantes.

***

Enquanto procurava um novo nome [Márcia havia terminado seu serviço] no jornal se deparou estupefata com a manchete. "Monsenhor Mateus em visita à cidade para inauguração de igreja". Marculino era o décimo segundo. Com o fim dos apóstolos agora ela iria atrás do Messias. O acaso se unia com sua vingança de uma forma perfeita, quase mística, mas ainda não era hora de se entregar à devaneios espirituais. Procurou alguma indicação de como poderia encontrar o Monsenhor e partiu para a paróquia que o recebia. Este prato suculento já estava bastante frio.

***

Quando lhe disseram que o velho Monsenhor Isaías tinha uma família no interior do Mato Grosso da época de suas peregrinações, o bom padre Mateus não acreditou. Mesmo depois de descobrir a loucura de seu antigo mestre, ele continuou defendendo o compromisso do homem com os votos sagrados, mas, agora, tendo na sua frente, de novo, os olhos do homem cravados nos seus não podia mais negar. Aquela mulher era realmente a filha do monsenhor. Com um sorriso angelical ela abriu a bolsa e retirou o último dos quindins, de um amarelo que Mateus jurava iluminar a escuridão daquele porão úmido, e o segurou diante do padre.

- O corpo de cristo.

- Amém. - fechando os olhos, Mateus comeu seu quindim.

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(putaria.)