Quidquid luce fuit, tenebris agit, mas também vice-versa.
Friedrich Wilhelm Nietzsche, Além do Bem e do Mal

 

1997. Julho. Noite. Um bar. Uísque, cerveja e cigarros.

 

LEOPOLDO: Bom mesmo é Doors. Foda-se aquele filme podre do Oliver Stone, fodam-se os aborrescentes que cultuam Jim Morrison como se ele fosse apenas um bebum revoltadinho. A música é divina, a poesia é puro Blake Beat, os caras sabiam o que estavam fazendo.

GERALDO: É.

ADRIANA: Doors é patético.

LEOPOLDO: Peraí, como assim...

ADRIANA: Me deixa terminar, Lei Ragarto. Ouve aqui, ouve aqui, estou falando da qualidade do patético em The Doors, isso é importante.

GERALDO: É.

LEOPOLDO: Diz.

ADRIANA: Doors tem um quê de música bêbada, um certo andamento cambaleante, um tom decadente com cheiro de bourbon.

LEOPOLDO: Profundo, isso.

GERALDO: É.

ADRIANA: Pega o Waiting for the Sun, por exemplo. Olha Hello I Love You, Love Street, Summer's Almost Gone. Aquilo me lembra um Chaplin de cabelos desgrenhados tropeçando pelas ruas de Los Angeles. E olha só: love aqui, love ali. Quer coisa mais patética que ficar repetindo love love love?

ALBERTO: Pois é, faz sentido isso. Olha Wintertime Love.

ADRIANA: Viu? Love de novo.

GERALDO: É.

LEOPOLDO: Porra, onde vocês querem chegar?

ADRIANA: Wintertime love parece musiquinha de circo fedorento do interior de Tocantins. Pensa bem.

LEOPOLDO: Love, porra. Final dos anos 60, summer of love e o caralho. Doors era a antítese de tudo isso, vieram para fechar as portas do sonho hippie. Ouviram bem? Fechar, não abrir. As portas. The Doors. As portas da percepção fecham as portas da utopia.

ALBERTO: Caralho, o que é isso?

ADRIANA: Pede mais uma cerveja.

LEOPOLDO: The Doors, The Doors, vocês não entendem, ninguém entende.

ADRIANA: Do caralho mesmo é Jimi Hendrix.

Jimi Hendrix, Deus Negão From Outer Space

GERALDO: Jimi Hendrix, meu Deus Negão From Outer Space.

ALBERTO: Jimi Hendrix era mesmo de outro planeta.

ADRIANA: Sem dúvida era uma divindade. Vocês sabem a história do molde de gesso do pau dele, né?

LEOPOLDO: Molde de gesso? O que é isso?

ALBERTO: Porra, as plaster casters. Groupies enlouquecidas que tiravam molde em gesso do pau dos rockstars dos sixties e seventies.

ADRIANA: Isso aí. Pensa nisso: Hendrix como divindade. Ele morto, o pau dele ali, quase vivo, um ícone.

ALBERTO: Dizem que o pau dele é enorme.

LEOPOLDO: Não peguei o lance da divindade em relação ao pau de gesso.

ADRIANA: Porra, mas isso é que é burrice. O pau. Divindade. Hendrix é Osíris.

LEOPOLDO: Ih, foi longe. Aposto que nisso nem as plaster casters pensaram.

GERALDO: Plaster caster, grab a hold of me faster...

ADRIANA: Que música é essa?

GERALDO: É KISS, porra.

LEOPOLDO: Bah, KISS é podre, sai fora.

GERALDO: ...

ADRIANA: KISS é decadente.

LEOPOLDO: Mas você acabou de falar bem de decadência, chamou o Morrison de Chaplin.

ADRIANA: Não foi assim.

ALBERTO: É, não foi assim.

LEOPOLDO: Porra, quem tomou meu uísque?

GERALDO: Minha pedra é ametista...

TODOS: Isso, isso, João Bosco sim é do caralho.

 


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