(putaria.)
#5 ; edição cajadada

 

o caso anselmo
(capítulo 2 do livro inédito)

drégus

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Do outro lado da divisória eu tenho o meu escritório de detetive. Não é um super escritório, mas detetives nunca têm super escritórios. Paredes brancas (não creme, brancas), com um poster de Laura e um de The Maltese Falcon para impressionar clientes impressionáveis, uma mesa com um computador, um telefone e algumas traquitanas em cima, um par de cadeiras em frente à mesa, uma cadeira giratória grandalhona e barulhenta do outro lado, pra mostrar quem é que manda, e um sofá. Não tenho muita certeza de o que aquele sofá faz ali.

Uma olhada no espelho e eu me acho parecido demais com o Salsicha. Passo a mão nos cabelos, tentando ajeitá-los pra trás. Não consigo.

Abro a porta e um garotão impaciente está atrás dela. Nada demais, um cara com um pouco menos que os meus vinte e sete anos, com uma aparência cuidadosamente malcriada. Ele olha pra mim com a mesma curiosidade com que olho pra ele.

Alguém precisa urgentemente falar alguma coisa.

- Pois não?

- Eu queria falar com o detetive Philip Packard.

Ele pronuncia "pacár", várias pessoas pronunciam "pacár". Nessas horas sempre me pergunto porque não escolhi um nome mais barbada de ser entendido, mas enfim, qualquer coisa é melhor do que um detetive chamado Édison Montenegro.

- O que quer com ele?

Nosso amigo dá uns tapinhas no peito. Não sei o que quis dizer com isso, então lanço um olhar que diz "por favor, pode ser mais específico?" ou "ãhn?".

- Tenho algo que preciso entregar pra ele.

- Posso ver?

Ele parece desconfiado, mas acaba pondo a mão pra dentro da jaqueta, na altura onde havia dados os tapinhas. Isso, tire uma arma e me ameace, é só o que me falta esta noite. Mas não, é só um envelope.

- Preciso entregar pessoalmente a ele.

- Eu sou Philip Packard - capricho exageradamente, quase separando as sílabas de "péquer".

- É? Tu não parece um detetive...

Imagino que não. Pense só no pobre diabo à sua frente, Phil. Uma porra duma noite de sexta, quente e chuvosa, e seu chefe, ou algum cara importante, ou pelo menos mais importante que ele, diz "ei, rapaz, vá até o escritório desse detetive e entregue um envelope a ele". Maldita sexta-feira e o guri se dá de cara com alguém praticamente da sua idade, com cabelos meio compridos, um bigodinho ralo, um cavanhaque cheio, usando uma camiseta amarrotada do Faith No More, calças pretas e chinelo de dedos. Diabos, se ele fosse um cliente já teria dado o fora.

- É, eu sei, eu pareço o George Harrison.

Ele não sabe de quem estou falando. Melhor parar de bobagens.

- Ok, eu sou o detetive. Eu só não costumo parecer um às noites de sexta. Você quer entrar e me ver brincando com uma lupa?

O rapaz fica me estudando. Está visivelmente de saco cheio. Provavelmente vai sair daqui e ir direto prum bar onde vai contar pra sua garota sobre o sujeito metido a engraçadinho com quem teve que lidar.

- Bom, o endereço é este, não é? Se não for você, foda-se, não me pagam tão bem assim.

- Isso, garoto, esse é o espírito - digo quase arrancando a merda do envelope da mão dele. É um envelope. Um envelope branco, sem nomes, sem logomarcas, sem nada. Branco. Só meu endereço e meu nome escritos numa caligrafia caprichada, mas não de mulher.

Quando ergo os olhos novamente o garotão está longe, entrando no elevador. Fecho a porta e me atiro na minha cadeira giratória lindona que ganhei da Fernanda uns meses atrás.

Pois bem, dentro do envelope tinham duas coisas:

1. Um bilhete, escrito com aquela mesma letra, que pedia minha presença no Café Concerto no dia seguinte às duas horas da tarde para encontrar com o Sr. Caldini, um ilustre desconhecido meu.

2. Uma nota de cinquenta reais, como adiantamento e sinal de boa-fé do Sr. Caldini, um ilustre desconhecido muito simpático e respeitável e de quem passo a gostar muito. Acendo meu último cigarro e fico olhando pra fumaça. De repente eu tenho cinquenta reais e talvez um cliente. Dinheiro e coisa pra distrair o cérebro. O que mais um cara precisa? Mulher?

Até o cigarro acabar eu já troquei o chinelo por um par de sapatos e pus uma camisa branca por cima da camiseta.

Rua. Noite. Cuide-se.

Não encontro ninguém conhecido, o que é mais uma vantagem que uma desvantagem. Sete garrafas de cerveja depois e eu estou cambaleando de volta pra casa.

Tiro a camisa por cima, sem desabotoá-la, os sapatos e a calça e me jogo na cama. A tontura diminui um pouco. Abraço o travesseiro instintivamente. Auto-suficiência é um mito.

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(putaria.)